Gilberto Melo

A inconstitucional suavização das condenações impostas à fazenda pública

Utilizando-se do censurável expediente de admitir a inserção, em medida provisória, de dispositivos extravagantes ao conteúdo finalístico da medida, o Congresso Nacional aprovou, recentemente, a Lei nº 11.960/2009, que em seu art. 5º, deu redação ao art. 1º-F, da Lei nº 9.494/1997.

Aprovou, assim, a introdução de comando legal que, literalmente, determina que nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

O objetivo confesso dessa alteração foi o de procurar trazer menor impacto às Fazendas Públicas federais, estaduais e municipais, nas condenações que lhe são determinadas pelo Poder Judiciário, como as que têm origem em desapropriações, responsabilização extra-contratual do Estado etc.

Ocorre que, o Congresso Nacional, revelando evidente insensibilidade política e inequívoco desconhecimento jurídico, esqueceu-se que o credor, na maior parte das vezes, é pessoa física ou jurídica que, na condição de administrado e contribuinte, tem seus deveres, perante a Fazenda Pública, indexados na Selic, como o que ocorre no pagamento das obrigações relativas aos tributos federais, e que ainda é vitimado por  severas sanções quando se torna inadimplemente, inclusive, em situações-limite, com condenações de natureza penal.

Assim, de um lado, há devedores obrigados ao pagamento da adocicada remuneração e juros aplicáveis à poupança (as Fazendas Públicas), enquanto, de outro, devedores que devem suportar o amargo encargo da atualização monetária plena, incidência de juros da mora, “tabelas práticas do tribunal” etc.

Identificamos, no discrimen realizado, grave infringência ao princípio da razoabilidade, tanto no que se refere ao antecedente, quanto ao conseqüente da endonorma, como, também, no antecedente da perinorma.

Estabelece odiosa e anti-jurídica distinção entre débitos do Poder Público e débitos dos administrados, os quais deveriam ter tratamento  idêntico, especialmente se considerarmos que as relações jurídicas, no caso, fruto de condenações impostas pelo Poder Judiciário, em matéria parafiscal, são simétricas, tendo num dos polos a Fazenda Pública e, no outro, o administrado, não havendo justificativa e, sobretudo, fundamentação jurídica idônea para a distinção pretendida.

Assim, em termos exclusivamente jurídicos, insistimos, revela-se improsperável a modificação legislativa em apreço, dado afrontar, com intensidade, o princípio da razoabilidade, implicitamente alojado no “caput” do art. 37, da Constituição Federal.

Espera-se, em futuro muito breve, intensa discussão judicial acerca da constitucionalidade do dispositivo, permitindo-nos, entretanto, desde logo antecipar que o Poder Judiciário, na sua mais alta corte, muito provavelmente afastará a modificação legislativa realizada.

Autor: Márcio Pestana, advogado
Fonte: www.espacovital.com.br