Gilberto Melo

São Paulo não tem competência para estipular o valor dos juros de mora

Desde o início de 2010, o Estado de São Paulo estabeleceu nova taxa de juros de mora a ser aplicada no pagamento de débitos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

A Lei Estadual nº 13.918, de 22 de dezembro de 2009, e o Decreto Estadual nº 55.437, de 17 de fevereiro de 2010, determinaram que a taxa de juros incidente sobre os débitos do ICMS é de 0,13% ao dia, podendo, todavia, ser reduzida por ato do secretário da Fazenda.

Com fundamento nesses dispositivos legais, a Secretaria da Fazenda publicou as Resoluções SF de número 2 e 11, ambas de janeiro de 2010, que reduziram o valor previsto em lei para estabelecer o patamar de 0,10% ao dia para o cômputo dos juros de mora de débitos inscritos e não inscritos na dívida ativa do Estado de São Paulo.

Portanto, em média, o Estado de São Paulo aplica a taxa de juros de mora à razão de 3% ao mês que, acumulada no ano de 2010, chega ao patamar de, aproximadamente, 36% ao ano.

A taxa de juros estabelecida por São Paulo, sobre ser desproporcional, viola diversos dispositivos constitucionais e legais.

Com efeito, na esfera tributária, os juros de mora devem respeitar o disposto no artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional (CTN) que limita seu cálculo à taxa de 1% ao mês, salvo disposição em contrário. Ressalte-se, todavia, que o Estado de São Paulo não tem competência para estipular, livremente, o valor dos juros de mora, haja vista que referidos juros têm natureza indenizatória, pois possuem o objetivo de recompor eventual prejuízo da Fazenda Pública pelo pagamento do tributo em atraso.

Assim, se o Estado de São Paulo experimentou prejuízo pela falta de tributo que deixou de ser recolhido no momento oportuno, deverá estipular um percentual que absorva esse prejuízo, o qual, como regra, tem por equivalente o índice da Taxa do Sistema de Liquidação e Custódia (Selic), aplicada aos tributos federais, a qual, em 2010, teve como valor acumulado de 9,37% ao ano, ou seja, quase quatro vezes inferior à taxa exigida pelo Estado de São Paulo.

Daí sua desproporcionalidade e desvio de finalidade marcantes.

O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE nº 183.907 (ratificado no julgamento da ADI 442), definiu a possibilidade de os Estados instituírem índices próprios de correção monetária, contanto que observado o limite do índice federal, em cumprimento da norma do artigo 24, I, da Constituição, norma que regula a competência concorrente da União, Estados e municípios para legislarem sobre direito financeiro.

Após muitas discussões surgidas sobre o tema, diante da impossibilidade de a legislação estadual fixar índice de juros de mora acima do limite do índice federal, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo publicou, em 14 de outubro de 2010, a Resolução SF nº 98/2010 para determinar que a taxa de juros de mora juros diária deverá tomar como parâmetro os índices médio de desconto de duplicatas e ficar entre a Selic e 0,13% ao dia, sendo publicada até o 20º dia de cada mês, para aplicação a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da publicação.

Como visto, a Secretaria da Fazenda deixou uma margem de liberdade quanto ao índice a ser aplicado, na medida em que não esclareceu qual o valor a ser aplicado aos juros de mora dos débitos de ICMS.

Entretanto, em 12 de janeiro de 2011, a Diretoria de Arrecadação da Secretaria da Fazenda publicou o Comunicado nº 5/2011, mantendo o índice de 0,10% ao dia, ou 2,80% especificamente para o mês de fevereiro de 2011, independentemente do índice médio de taxa de desconto de duplicatas.

Portanto, o Estado de São Paulo, em nítida afronta à Constituição e ao Código Tributário Nacional, bem como às decisões do Supremo, mantém a taxa de juros de mora para o ICMS em 0,10% ao dia, motivo pelo qual se compreende pela possibilidade jurídica de contestação, perante o Poder Judiciário, do excessivo montante de juros cobrados pelo Estado paulista.

Autor (es): Eduardo Pugliese Pincelli e Leonardo Augusto Battilana, sócios e advogados de Souza, Scheneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados
Fonte: Valor Econômico