Gilberto Melo

Banco Central pede ao STJ que dívidas sejam corrigidas pela Selic

O Banco Central foi ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) argumentar que dívidas civis (ou seja, que não envolvam o Estado) sejam corrigidas pela Selic. A questão preocupa os bancos, pois pode definir como eles cobrarão juros a partir de agora e, principalmente, como e quando os pagarão.

As dívidas civis são aquelas contraídas entre pessoas e/ou empresas, dentro da esfera privada. São o fruto de contratos entre pessoas físicas ou jurídicas para determinada compra e venda, cessão ou prestação de serviços.

Em memorial protocolado no tribunal nesta terça-feira (22), o Bacen se coloca do lado da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), para quem a atualização dos acumulados mensais da Selic seria um método “justo e neutro” de remuneração, alinhado com as taxas de juros de mercado.

As duas entidades se manifestaram em uma ação que questiona uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP).

No caso, o réu foi condenado a pagar sua dívida correção monetária somada aos juros de mora, fixada em 1% ao mês. Ele entrou com recurso, argumentando que a taxa de juros aplicada violava o artigo 406 do Código Civil Brasileiro, pelo qual, deveria ser usada a taxa Selic.

Como esse caso pode afetar diretamente investidores:

  1. Rendimento de Investimentos em Renda Fixa: Investidores que possuem títulos de renda fixa, como CDBs, LCIs e LCAs, normalmente recebem rendimentos baseados em taxas de juros, muitas vezes vinculadas à Selic. Se a taxa de juros de mora em dívidas civis for alterada para a Selic, isso poderá influenciar as taxas de retorno desses títulos;
  2. Ações de Instituições Financeiras: Bancos e instituições financeiras têm grande interesse nessa questão, pois ela pode afetar diretamente suas operações e a forma como eles cobram juros de seus devedores. Mudanças na forma como os juros de mora são calculados podem afetar a lucratividade dessas instituições, o que, por sua vez, pode impactar o desempenho de suas ações;
  3. Avaliação de Riscos: Investidores também precisarão reavaliar os riscos associados a investir em títulos de dívida, uma vez que a utilização da Selic como referência para juros de mora pode influenciar a forma como as dívidas são pagas e como os retornos são calculados;
  4. Impacto nas Políticas Monetárias: A Selic é uma ferramenta fundamental na política monetária do Brasil, sendo usada para controlar a inflação e estimular ou desacelerar a economia. Se a Selic também for usada como referência para juros de mora, isso poderá ter implicações nas decisões do Banco Central sobre a taxa.

Relator contra a Selic

Em março, o relator do caso no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, votou contra a utilização da Selic no caso. Ele apontou que a soma dos acumulados mensais da Selic é menor que a taxa Selic acumulada em 20 anos – esta última, a métrica utilizada para a correção de títulos da dívida pública, por exemplo.

A soma dos 240 acumulados mensais da taxa Selic, de 2002 a 2021 (219,5%), é inferior à variação do IPCA no mesmo período (237,6%) – déficit de 18,09% –, de modo que a taxa Selic nem sequer recompôs a desvalorização da moeda verificada nesses 20 anos“, fundamentou o ministro.

A Selic teria por objetivo o controle do consumo e, consequentemente, o combate a uma inflação futura em nível indesejado, afirmou Salomão. Já os juros de mora devem funcionar como uma remuneração “paga ao dono do capital pelo período em que fica privado do seu uso“.

Luis Felipe Salomão afirmou que a adoção de acumulados mensais da Selic, em detrimento da multiplicação dos fatores diários – como no caso do pagamento de títulos da dívida pública –, acabaria servindo de desestímulo para que o devedor civil faça o pagamento.

Raul Araújo discorda de Salomão

Em junho, o ministro Raul Araújo votou contra o relator e a favor do uso da Selic. Ele afirmou que não há razão para se impor ao devedor, nas dívidas civis, uma elevada taxa de juros de mora capitalizada mensalmente combinada com a atualização monetária (reposição da inflação) do valor devido.

Na sua opinião, as condenações judiciais submetidas a juros de mora de 1% ao mês acrescidos de correção monetária – como no caso do recurso em julgamento – conduzem a uma situação em que o credor civil obtém remuneração muito superior à de qualquer aplicação financeira, pois os bancos são vinculados à Selic.

Araújo destacou que o Código Civil não exige uma aplicação distinta de juros de mora e de correção monetária. “O Código Civil de 2002 confere um tratamento muito próximo para os juros de mora e a correção monetária, a ponto de praticamente reuni-los de forma um tanto indistinta, chegando quase a confundi-los”.

Bancos a favor da Selic

Em seu memorial, apresentado nesta terça, o Banco Central argumenta que a Taxa Selic, estabelecida como a taxa referencial pelo próprio Banco Central, já compreende tanto os juros moratórios quanto a correção monetária. Portanto, não haveria bis in idem (duplicação de cobrança) na utilização dessa taxa como taxa de juros de mora.

O memorial ressalta que a aplicação da Taxa Selic como taxa de juros de mora não tem fundamento econômico na cisão entre juros nominais e correção monetária, uma vez que ambas são componentes do custo de oportunidade associado à ausência de recursos líquidos no período relevante.

Além disso, o Banco Central destaca que em diversos ordenamentos jurídicos internacionais, como Bélgica, Espanha e outros, a taxa referencial estabelecida pelos bancos centrais é adotada como taxa de juros legais, inclusive para a mora.

A Febraban, por sua vez, em memorial entregue no dia 8, enfatizou que a taxa Selic consistentemente superou a inflação (medida pelo IPCA) desde 1999, exceto durante os anos da pandemia em 2020 e 2021.

Os bancos apresentaram dados estatísticos para demonstrar que, em média, a taxa Selic garantiu um retorno real acima da inflação. Ela superou a inflação, em média, em 3,34% ao ano entre 2009 e 2023, e em 6,01% ao ano entre 1999 e 2023. Por isso, argumentam, ela preservaria adequadamente o valor da dívida ao longo do tempo.

Recurso Especial (Resp) 1795982 / SP (2019/0032658-0) agora está no gabinete do ministro Benedito Gonçalves.

Fonte: monitordomercado.com.br

Autor: Marcos de Vasconcellos