Gilberto Melo

As pegadinhas por trás das reduções das taxas de juros

Para obter os descontos que as instituições divulgam, cliente deve cumprir uma série de condições.

Os clientes que foram na segunda-feira aos bancos para ter informações sobre as novas taxas de juros saíram decepcionados. A principal reclamação é que, para usufruir de menores percentuais anunciados nas propagandas, é preciso cumprir uma série de requisitos. As “pegadinhas” vão desde a aplicação do juro menor apenas para empréstimos de prazo muito curto até a exigência de um tempo mínimo de conta no banco.

Em uma agência visitada ontem pelo GLOBO em São Paulo, um cliente que não se identificou disse que “não é como está na propaganda”. Até os gerentes concordaram com o comentário dos correntistas e alertam que há “muitas pegadinhas” nos novos anúncios.

A primeira instituição a anunciar a redução dos juros para financiamentos de veículos, crédito consignado e crédito direto ao consumidor (CDC) foi o Banco do Brasil, no último dia 4. No dia seguinte, foi a vez da Caixa que, além dos financiamentos para bens diversos, diminuiu as taxas de cheque especial e cartão de crédito. Pressionados pelo governo, os bancos privados decidiram seguir o mesmo caminho, com mudanças em linhas como financiamento de veículos, crédito consignado e CDC. Com exceção do Santander, nenhum privado baixou os juros do cheque especial e do cartão.

Na maior parte das propagandas, os bancos publicam a taxa mínima que será praticada numa operação. No entanto, o valor real é calculado segundo o perfil do cliente. Na Caixa, por exemplo, o panfleto que divulga os juros menores diz que o cheque especial tem taxa a partir de 1,35% ao mês. Mas o cliente que resolver abrir conta na Caixa para usufruir o benefício vai obter taxa de 4,45% mensal no limite da conta.

— Os juros menores são para clientes que já têm relacionamento antigo com o banco — diz a gerente de uma agência na Zona Sul paulistana, ressaltando que, caso o cliente receba salário pela Caixa, a taxa do cheque especial pode cair para 3,5% ao mês.

Gerente dá informação errada
No Bradesco, em uma das três agências visitadas pelo GLOBO, na Zona Oeste da cidade, o gerente não sabia nada sobre as novas taxas:

— É possível voltar amanhã? Estamos esperando o comunicado chegar no sistema para colocarmos as novas taxas em prática.

A informação dada por ele está incorreta, segundo a assessoria de imprensa do Bradesco. E para evitar esse tipo de problema, o banco informa que está reforçando a comunicação com sua rede de agências. O Bradesco iniciou ontem a aplicação de novas taxas para financiamento de veículo (a partir de 0,97%); crédito pessoal (queda de 2,66% para 1,97% ao mês); e CDC Bens (de 3,54% para 2,97% ao mês).

— Mas a taxa de 0,97% ao mês para o financiamento de veículo só vale para quem dividir o pagamento em quatro vezes — alertou a gerente de outra agência na Zona Oeste de São Paulo.

Antonio de Oliveira Siqueira, de 44 anos, dono de um pequeno restaurante na capital paulista, foi à agência do Bradesco verificar se a taxa do leasing de sua van cairia. Hoje, ele paga 1,89% ao mês. Na agência, porém, foi informado que não seria contemplado com a redução porque o leasing já está feito:

— Não recebi nenhuma notícia animadora aqui. Vou checar no Banco do Brasil, onde também tenho conta.

Para conseguir melhor taxa no financiamento de veículos no banco estatal, porém, o cliente precisa estar com todas as informações relativas ao carro, já que não há um valor padrão.

— Não dá para dizer qual é a taxa porque varia muito de um automóvel para outro — disse a gerente de uma agência do BB na Zona Oeste.

No BB, os juros para o uso do limite de crédito no cheque especial passou a variar entre 1,38% e 8,31%. Mas, para ter a taxa menor, é preciso cumprir alguns requisitos, como ter aplicação no banco e ser beneficiário do INSS. Na média, o cliente pode conseguir uma taxa de cerca de 3%, desde que esteja usando mais de 50% do limite e há dois meses. Assim, a dívida no cheque especial é transformada em um CDC, a ser pago em 24 parcelas.

— O juro do cheque especial não caiu de verdade. Eles apenas parcelam o que você está devendo com uma taxa menor. Não é o que eu precisava — retrucou Valter Roberto, corretor de imóveis de 63 anos.

No HSBC, os gerentes informavam as novas taxas de cheque especial para cada perfil de cliente. A assessoria de imprensa da instituição, por sua vez, esclarece que o recuo no juro do limite da conta foi feito em março, quando a taxa básica de juros (Selic) caiu para 9,75% ao ano.

O HSBC informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que a tabela vigente, a partir do último dia 12, é de taxas de 1,99% a 5,93% ao mês para crédito pessoal; de 0,98% a 2,55%, para financiamento de veículos; e de 0,99% a 4,70% ao mês para crédito consignado.

No Santander, o gerente de uma agência na Zona Sul da capital paulista informou que, desde ontem, o juro do cheque especial caiu. O novo produto tem taxas de cheque especial que variam de 4% a 8% ao mês, mas quanto menos o cliente utilizar seu limite, menor será o juro.

Relação antiga para ter taxa reduzida
No Itaú Unibanco, um gerente disse que os juros baixos para empréstimos ficaram restritos à modalidade do consignado, voltada a aposentados e pensionistas que recebem pelo banco. No caso da linha de financiamentos para veículos, a taxa reduzida de 0,9% ao mês, segundo ele, só é válida para clientes com mais de um ano de conta na instituição.

E é preciso ficar atento às taxas por uma razão simples: o cliente que não obtiver a taxa mais vantajosa oferecida pela instituição ainda pagará caro para tomar crédito. Uma pesquisa da Anefac, considerando as taxas de juro mínimas e máximas divulgadas pelos bancos, chegou a diferenças impressionantes. Quem comprar um carro no valor à vista de R$ 60 mil, em 48 parcelas, pagando juro de 4,23% ao mês (a taxa máxima oferecida pelo Bradesco), desembolsará R$ 141.144,20 pelo bem. O carro sai por R$ 75.333,39, se o cliente obtiver a taxa mínima do mesmo banco, de 0,97%. A diferença é de mais de R$ 65 mil no preço final do bem.

Para justificar tanta diferença entre a taxa mínima e a máxima, os bancos alegam que precisam avaliar o comprometimento da renda do cliente, que indica o potencial de inadimplência, o histórico do relacionamento com a instituição, e o próprio produto oferecido. Num empréstimo consignado, por exemplo, o risco para o banco de levar um calote é muito menor do que no rotativo do cartão. Isso porque a parcela do empréstimo é descontada diretamente na conta do cliente.

Fonte: www.oglobo.globo.com