Gilberto Melo

STJ Processo sobre incidência da Selic nas dívidas civis entra na pauta da Corte Especial

Foi incluído na pauta de julgamentos da Corte Especial do STJ processo que discute a incidência ou não da Taxa Selic nas dívidas civis (art. 406 do CC), uma vez que a Selic contém juros e correção monetária embutidos. O julgamento está marcado para o próximo dia 21 de novembro.

O processo, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, chegou à Corte há dez anos, em outubro de 2008.

Em sessão da 4ª turma de maio de 2013, o colegiado decidiu afetar o julgamento do recurso à Corte Especial. Contudo, uma vez na Corte, o debate tem se arrastado, com uma série de pedidos de vista e a polêmica em torno da desafetação do recurso. Acompanhe a cronologia:

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Tese do relator: Inaplicabilidade da Selic

Ainda em 2013, o ministro Salomão votou defendendo a tese da inaplicabilidade da Taxa Selic para atualização da condenação de dívidas civis, notadamente em se tratando de danos morais decorrentes de responsabilidade extracontratual, ante a impossibilidade de se conciliar os marcos diversos de incidência de juros moratórios (evento danoso) e de correção monetária (data do arbitramento), na linha das súmulas 54 e 362 do Tribunal.

Luis Felipe Salomão propôs a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio Tribunal local, somado à taxa de juros de 1% a.m. (ou 12% a.a.), nos termos do art. 161 do CTN.

Independentemente de questionamento acerca do acerto ou desacerto da adoção da Selic como taxa de juros a que se refere o art. 406 do Código Civil, o fato é que sua incidência se torna impraticável em situação como a dos autos, em que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (súmula 54) e a correção monetária em momento posterior (súmula 362).

Assim, tendo em vista a subsidiariedade expressa no próprio art. 406 do Código Civil, em situações como essas, em que juros e correção não fluem simultaneamente, parece correta a aplicação do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (1% de juros ao mês), sem prejuízo da incidência da correção monetária, no período correspondente, pelos índices oficiais aplicáveis em cada caso.

A adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa ou, por outro, de incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais.”

Diante do voto do relator, o ministro João Otávio de Noronha pediu vista. Dois anos depois, em renovação de julgamento, o ministro Noronha ficou com a vista antecipada.

Em maio de 2016, após Noronha acompanhar o relator, foi a vez da ministra Nancy Andrighi ficar com vista.

QO: Desafetação do recurso

Poucos meses depois, em agosto, Nancy propôs questão de ordem para cancelar a afetação do recurso à Corte Especial e determinar a remessa dos autos à turma: “A única questão decidida pelo Tribunal a quo e posta no recurso especial é a relativa ao “momento inicial” da “incidência de correção monetária e juros de mora (…) em se tratando de responsabilidade extracontratual, advinda de prejuízo moral”, matéria que, como bem afirmou o eminente relator, “não há dúvida”, já que definida pelas nossas súmulas 54 e 362. Portanto, a única questão controvertida neste recurso especial não é de competência da Corte Especial, posto que está, inclusive, sumulada.”

Como já havia proferido voto no mérito, o ministro Noronha pediu vista sobre a questão de ordem. Na primeira sessão da Corte em 2017, Noronha acolheu a questão de ordem da Nancy para desafetar o recurso.

Com dois votos pela desafetação, foi a vez do relator ficar com vista regimental. Algumas sessões depois, Salomão reiterou o voto anterior:

O acórdão estadual versou sobre o índice de correção monetária e o percentual de juros moratórios aplicáveis à espécie, afastando, implicitamente, a incidência da Taxa Selic, não se limitando a fixar o termo inicial de incidência dos citados consectários legais. Consagrada a tese de que o prequestionamento não exige que o recorrente tenha suscitado questão jurídica específica na instância precedente, revelando-se suficiente a existência de pronunciamento judicial sobre a matéria de ordem pública.”

Além disso, segundo o relator, a insurgência especial alusiva ao termo inicial de incidência dos juros e da correção monetária reabre a discussão sobre o próprio percentual de juros e o índice de atualização aplicável.

O ministro consignou, após citar jurisprudência do Tribunal, que a impugnação do termo inicial de incidência dos juros de mora e da correção monetária, no bojo do recurso especial, autoriza a adequação pelo julgador do próprio percentual de juros e do índice de atualização – desde que preenchido o requisito do prequestionamento -, sem implicar vício de julgamento extra petita ou reformatio in pejus.

Ademais, em se tratando de indenização por dano moral, e de questão crucial para o Direito Privado, como discutir os marcos iniciais dos juros de mora e da correção monetária sem a definição sobre a incidência ou não da Taxa Selic, cuja incompatibilidade com a súmula 362  revela-se evidente?

Para Salomão, a discussão sobre a incidência ou não da Taxa Selic no cálculo das indenizações por dano moral traz à tona duas proposições excludentes entre si:

(i) uma vez considerada aplicável a Selic, somente a súmula 54 persistirá, pois desde o evento danoso estará incidindo juros de mora e correção monetária, afigurando-se impositivo o afastamento de bis in idem; e

(ii) se considerada inaplicável a Selic, remanescem hígidos os marcos distintos delineados nas súmulas 54 e 362.

Assim, sobressai a extrema importância da definição da questão pela Corte Especial, o que, inclusive, poderia até mesmo justificar, se fosse o caso, a mitigação de pressuposto de admissibilidade do recurso especial, a fim de garantir a concretização da norma fundamental, consagrada pelo Novo CPC, de manutenção de jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente (artigo 926).

Com a reiteração do voto do relator que já tinha sido proferido nos idos de 2013, o ministro Herman Benjamim pediu vista antecipada.

Um ano e oito meses depois, o assunto voltará à discussão da Corte Especial, com o placar em 2×1 pela desafetação do recurso.

Processo: REsp 1.081.149

 

Fonte: www.migalhas.com.br