Gilberto Melo

Nova lei gera dúvidas sobre disputa de valores nos contratos de empréstimos, financiamento ou arrendamento mercantil

A inserção do artigo 285-B do CPC não revogou o disposto no artigo 50 da Lei 10.931/04, sendo certo que permanece obrigatória a quantificação do valor incontroverso, sob pena de inépcia da inicial.

A Lei 12.810/13 alterou o Código de Processo Civil brasileiro (Lei 5.869/73), criando o artigo 285-B, ao estabelecer que, nos litígios que tenham por objeto prestações decorrentes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso. E no parágrafo único determina que o valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados.

 
Havia dispositivo similar, de maior alcance, conforme disposto no art. 50 da Lei 10.931/04: “Nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia. § 1o O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. § 2o A exigibilidade do valor controvertido poderá ser suspensa mediante depósito do montante correspondente, no tempo e modo contratados”.
 
O fato do legislador não inserir o disposto no parágrafo § 2º do artigo 50 da Lei 10.931/04 na nova legislação pode criar a possibilidade do devedor não depositar o valor controvertido o que geraria insegurança e instabilidade, de modo que muitos podem ingressar em juízo com alegação de que o valor devido é bem inferior sem que realize o pagamento do controvertido, o que caracteriza uma moratória, que a Lei não deveria permitir.
 
Defensores dessa novel disposição alegam que o contrário feriria o princípio da universalidade da jurisdição, pois criaria obstáculos de ordem econômica ao livre acesso ao Poder Judiciário, além do direito à habitação.
 
Contudo, nos parece que isso não ocorre, na medida em que o devedor ao assinar o contrato, seja ele de empréstimo, financiamento ou alienação fiduciária, tem em mente o valor da parcela que é devida, razão pela qual se pretende posteriormente realizar a discussão destes valores, certo que deve efetuar o depósito como forma de garantia, já que, caso a ação seja julgada improcedente as instituições financeiras não terão qualquer segurança.
 
De todo modo, o caput, ao dispor que é necessária a quantificação do valor incontroverso, é medida interessante que visa inclusive assegurar o direito de defesa e evitar a inépcia da inicial. Apesar de entender que a necessidade dessa quantificação já estaria presente pela análise do disposto no artigo 282 do CPC, bem como da existência do disposto no artigo 50 da Lei 10.931/04, certo é que muitas ações eram distribuídas com pedidos genéricos, e a nova disposição visa evitar este tipo de demanda.
 
Contudo, apesar do artigo 285-B do Código de Processo Civil não conter o disposto no parágrafo § 2º do artigo 50 da Lei 10.931/04, certo é que este último não foi revogado, nem tacitamente, pois a disposição no §1º de ambos os artigos é idêntico, de modo que entendemos que a Lei 10.931/04 permanece em vigor, não podendo os devedores solicitarem a suspensão do valor controvertido sem que realizem os depósitos em garantia.
 
Assim sendo, a inserção do artigo 285-B do Código de Processo Civil não revogou o disposto no artigo 50 da Lei 10.931/04, sendo certo que permanece sendo obrigatória a quantificação do valor incontroverso, sob pena de inépcia da inicial, sendo que deverá o valor incontroverso continuar sendo pago no tempo e modo contratados, e, caso o devedor queira suspender a exigibilidade do valor controvertido, deverá realizar o depósito judicial como garantia.
 
Autor: Guilherme Matos Cardoso, advogado graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (20/12/2005), mestrando em Processo Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2012) – PUC/SP, pós-graduado em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (2006- 2007), em Direito Empresarial pelo IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo (2007- 2008) e em Direito Civil pela FMU – Faculdades Unidas Metropolitanas (2009/2010), participou dos Cursos: As recentes reformas do CPC e o impacto na advocacia no ESA Centro – Escola Superior da Advocacia (2006), Reformas do Código de Processo Civil no ESA Santana – Escola Superior da Advocacia (2006) e Curso de Atualizações do Código de Processo Civil no ESA Santo Amaro – Escola Superior da Advocacia (2006), membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo e da Comissão do Jovem Advogado do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados, trabalhou em Valverde Advogados (2001-2002), Paulo Bonito Júnior Advogados (2002-2003) e De Vivo, Whitaker e Gouveia Gioielli Advogados (2003-2005) e atua nas áreas de Direito Civil, Comercial, do Consumidor e Processo Civil.