Gilberto Melo

NCPC: Principais alterações da prova pericial

O Novo Código de Processo Civil trouxe mudanças significativas no âmbito probatório, especialmente na prova pericial. Pois bem, como qualquer outro meio de prova, a perícia precisa ser útil e praticável; e será útil quando o fato a ser esclarecido depender necessariamente deste meio de prova, e praticável se houver condições técnicas para sua realização.

§ O que é ser útil? Importante observar que a questão da utilidade da prova não deve ser analisada à luz da subjetividade do magistrado. Certa vez, em ação que discutia a apuração de equívocos na formulação de determinada questão de matemática em concurso público, foi requerida pelo autor a realização de prova pericial com objetivo de apurar a ocorrência da falha técnica, que indicaria mais de uma resposta como a correta, – o que implicaria a anulação da questão do certame. A perícia foi indeferida, sob a fundamentação de que a prova pericial era inútil, pois se ele – juiz – passou em concurso público dos mais disputados do país, era porque havia também tido uma excelente formação no Ensino Médio que o qualificava para apurar equívocos na formulação de questões de matemática em nível médio.

A desesperadora situação narrada serve para afirmar que o conhecimento técnico específico do juiz sobre determinada questão não deve afastar a realização da prova pericial; pouco importa se o magistrado possui formação médica, contábil, ou qualquer outra que por coincidência seja objeto da ação, a produção da prova pericial não se torna inútil e dispensável por conta disso.

É importante, para formação democrática do processo, a superação da equivocada jurisprudência que afirma ser o juiz o destinatário da prova. Não o é no CPC/15 e nunca foi no CPC/73. A doutrina caminha com fortes e coerentes vozes ao afirmar que o destinatário é, na verdade, o processo.[I]

É por isso que o comportamento judicial deve ser outro, o de admitir a produção probatória não somente quando a projeção do resultado daquela prova for capaz de influenciar a formação do seu convencimento, mas quando também puder contribuir a todos os demais intérpretes do processo (partes e futuros julgadores).[II]

§ Quando o juiz pode dispensar a perícia? Há sim a possibilidade legal de dispensa da prova pericial pelo juiz; é o que diz o art. 472 do CPC/15, que traz essa possibilidade desde que as partes apresentem sobre a questão de fato controvertida pareceres técnicos ou documentos elucidativos que o juiz entender como suficientes. Se engana, porém, aquele que acredita que esta é uma novidade do CPC/15. Tal dispensa – apesar de pouco utilizada – já encontrava resguardo no art. 427 do CPC/73, e na prática processual é de rara utilização, seja pela habitualidade de impugnação dos pareceres juntados pela parte adversa, seja pelas afirmações costumeiramente divergentes nos pareceres apresentados pelas partes.

Os meios de prova precisam ser encarados como instrumento de busca da máxima eficiência no esclarecimento de questões fáticas.[III] Afinal, a atividade probatória é a representação da formação do diálogo e certamente uma representação prática do contraditório.

§ Negócios processuais para escolha do perito? Nessa perspectiva de processo coconstruído que o CPC/15 inovou ao possibilitar que autor e réu, em comum acordo, escolham o perito da causa (CPC471). Essa autorização legal é espelho do que há muito tempo acontece na arbitragem e significa um verdadeiro avanço para as partes, que mais uma vez prestigia a construção compartilhada do processo. É claro que o legislador limitou – e fez bem – essa possibilidade a processos em que figurem partes plenamente capazes e ainda a demanda possa ser resolvida por autocomposição. Note-se que se trata do mesmo requisito exigido pela lei para o negócio jurídico processual (CPC 190 e 191).

A escolha consensual do perito pelas partes é livre e não fica limitada ao rol de peritos inscritos no cadastro do tribunal previsto no § 1º, do artigo 156, de que trataremos adiante. A indicação das partes deve ser respeitada pelo juiz, que, contudo, no exercício do papel de condutor do processo, deverá sempre permanecer atento para reprimir qualquer indício de manipulação do resultado da perícia. A partir da escolha, a perícia segue seu desenvolvimento regular, facultando às partes a apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos.

§ Perito pode ser pessoa jurídica? O CPC/15regulamentou a atuação do perito constituído como pessoa jurídica. A alteração legislativa permite a nomeação de órgãos técnicos ou científicos para a função de perito, exigindo para tanto que estejam inscritos no cadastro do tribunal (CPC 156).

§ Apesar de novidade no CPC/15, a indicação de órgãos técnicos ou científicos já era comum na pratica processual. Aliás, no curso no CPC/73 ocorria com certa regularidade a nomeação, por exemplo, de empresas de auditoria para atuar como perito

§ Perito tem que ser cadastrado? O cadastro de peritos do tribunal tem – dentre outras – a função de viabilizar às partes a verificação da qualificação técnica dos peritos e também de possibilitar a análise de eventual impedimento ou suspeição e é justamente por conta desta última finalidade que as pessoas jurídicas cadastradas precisarão informar ao juiz os nomes e os dados de qualificação dos profissionais que participarão da perícia. Parece razoável exigir também a apresentação de currículo completo dos profissionais participantes, nos termos do inciso II, § 2º, do artigo 465,CPC/15.

§ Nível superior é obrigatório? O artigo 156, CPC/15 traz outra importante alteração: deixa-se de exigir formação universitária como requisito para nomeação de perito, como acontecia no código anterior. A mudança é positiva, ainda mais se pensarmos na corriqueira necessidade de atuação de profissionais especializados, mas que não possuem formação em ensino universitário, como por exemplo, mecânicos e mestres de obras. A ausência de formação em ensino superior não desqualifica, de maneira alguma, a competência e o conhecimento acumulado por cursos técnicos e pela experiência adquirida ao longo dos anos de exercício da profissão.

§ Qual a participação do assistente técnico? Outro importante avanço consiste na ampliação dos deveres do perito, especificamente o de garantir maior participação aos assistentes técnicos das partes, devendo ser oportunizado o acesso à informação e ao acompanhamento das diligências a serem realizadas, com antecedência mínima de cinco dias (§ 2º, art. 466, CPC/15) e comprovação nos autos. É claro que ainda haverá situações –excepcionais- em que a prova pericial deverá ocorrer sem a ciência da parte, como no caso de perícia para apuração de uso nocivo de propriedade decorrente do excesso de ruído, sob pena de tornar inútil a diligência diante da possibilidade de manipulação pelo agente poluidor.

§ Honorários periciais sofreram alterações? Cabe também ressaltar dois pontos importantes com relação aos honorários periciais. O primeiro é a possibilidade de autorização judicial para viabilizar o pagamento de até cinquenta por cento dos honorários arbitrados já no início dos trabalhos, condicionando o levantamento do percentual final após a entrega do laudo e desde que todos os esclarecimentos sejam prestados (§ 4º, art. 465, CPC/15).

Por outro lado, na hipótese do resultado da perícia ser inconclusivo ou deficitário o atual código possibilita a redução da remuneração arbitrada no início dos trabalhos. Também na hipótese de substituição do perito, os honorários até então recebidos deverão ser restituídos no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de impedimento para atuar como perito pelo prazo de 5 anos. A redução e devolução dos honorários periciais nos parece adequada, uma vez que os honorários periciais devem estar de acordo com a qualidade do trabalho desenvolvido pelo perito. [IV]

§ Quais os limites da vinculação do juiz? O laudo inconclusivo ou que alcance conclusões claras não vincula o juiz.[V] Em outras palavras, o juiz não está adstrito às conclusões do laudo pericial, uma vez que a convicção deve ser formada – sempre- a partir do conjunto probatório. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart afirmam que justamente pela característica técnica da prova pericial há maior possibilidade – na prática- de convencer o juiz do que a prova testemunhal, por exemplo.[VI]

Nunca é demais afirmar que na sentença o juiz necessariamente deve fundamentar a valoração de todo o conjunto probatório e não só das provas que contribuíram para a formação da convicção, mas também –e principalmente – daquelas desprezadas e que, em tese, teriam a possibilidade de contrariar os argumentos e conclusões adotadas pelo magistrado.

Por fim, as mudanças no âmbito da prova pericial contribuem positivamente para a ampliação do diálogo entre partes e juiz. A criação de critérios objetivos para nomeação de perito, a exigência de requisitos mínimos para elaboração do laudo pericial, a fixação de prazo comum de 15 dias para manifestação das partes – e todas as outras mudanças que destacamos – proporcionam uma instrução probatória mais organizada transparente, estimulam a construção compartilhada do processo e projetam a expectativa de uma duração mais razoável.

[I]O juiz deve julgar segundo o alegado no processo, porque o que não está nos autos não está no mundo. Portanto, a parte faz a prova para que seja adquirida ao processo.” (Nelson Nery Jr; Rosa Maria Andrade Nery. Código de processo Civilcomentado. 14 ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p.615.)

[II] Com precisão Leonard Ziesemer Schmitz afirma que: “não é dado ao julgador de primeira instância utilizar apenas sua própria visão sobre a suficiência das provas, já que ele, juiz, não é o destinatário único da prova. (Fundamentação das decisões judiciais. A crise na construção de respostas no processo civil. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 252).

[III] Sobre a matéria de probatória é indispensável a leitura dos ensinamentos do Professor William Santos Ferreira na obra: “Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[IV] Vale também lembrar que agora o crédito dos honorários periciais submete-se ao cumprimento de sentença, isso porque trata-se de título executivo judicial (V, art. 515,CPC/15), certamente um fato que contribuirá para a celeridade no recebimento dos honorários periciais.

[V] Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

[VI] Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart. Prova e convicção: de acordo com o CPC de 2015. 3. Ed. Ver., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 880.

*O texto reflete as opiniões da Autora, não tendo relação direta com a opinião das demais colunistas.

Autor (a): Nathália Carvalho,  mestranda em Direito Processual Cível pela PUC/SP, especialista em contratos pela Harvard Lawschool, graduada em 2008 pela Universidade Santa Cecília – Unisanta e sócia do escritório GM Carvalho & Fraia Advogados.

Fonte: www.jusbrasil.com.br