Gilberto Melo

Liquidação de sentença no CPC até 07.05.2002

Liquidação de sentença no CPC até 07.05.2002
*Gilberto Melo
1. Introdução
Na esteira das várias alterações que vem sofrendo o C.P.C., uma das mais recentes é a que traz significativas mudanças no que diz respeito à liquidação de sentença, e, mais especificamente, no que concerne à competência para a confecção dos cálculos de liquidação. As alterações introduzidas pela recente Lei 8.898 de 29.06.1994, inserem-se no conjunto de medidas visando a modernização e simplificação de nosso Código de Processo Civil, há muito esperadas.
Estas modificações, tanto quanto as anteriores, relativas a perícias, procedimentos citatórios, etc., ou as posteriores, que versaram sobre procedimentos recursais, ação de consignação em pagamento, processo de execução, ação monitória, agravo e outros, seguem em linhas gerais as sugestões do anteprojeto elaborado por comissão especial de juristas e publicado no D.O.U. de 17.12.1985 e depois atualizado sob os auspícios do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil, sob supervisão dos Ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, do S.T.J. Posteriormente à Lei 8.898 de 29.06.1994 a Lei 8953 de 13.12.1994 modificou os incisos do artigo 614 e a mais recente lei que alterou o artigo 604 do CPC foi a Lei 10.444 de 07.05.2002.

2. O artigo 603

O artigo 603, inscrito no Capítulo VI – Da Liquidação de Sentença do Título I – Da Execução em Geral, do Livro II – Do Processo de Execução, do Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, tem a seguinte redação:

Art. 603
– Procede-se à liquidação de sentença, quando a sentença não determinar o valor ou não individuar o objeto da condenação.
Lei 8.898 adicionou o parágrafo único, com a seguinte redação:
Parágrafo único – A citação do réu, na liquidação por arbitramento e na liquidação por artigos, far-se-á na pessoa de seu advogado, constituído nos autos.

3. O artigo 604

Outro dispositivo que a Lei 8.898 alterou foi o caput do artigo 604, assim originalmente redigido:

Art. 604
– Far-se-á a liquidação por cálculo do contador, quando a condenação abranger:
I – juros ou rendimento do capital, cuja taxa é estabelecida em lei ou contrato;
II – o valor dos gêneros, que tenham cotação em bolsa;
III – o valor dos títulos da dívida pública, bem como de ações ou obrigações de sociedades, desde que tenham cotação em bolsa.
O texto aprovado em substituição é o seguinte:

Art. 604
– Quando a determinação do valor da condenação apenas depender de cálculo aritmético, o credor procederá à sua execução na forma do artigo 652 e seguintes, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada de cálculo.
Já a Lei 10.444 de 07.05.2002, acrescentou dois parágrafos ao texto do artigo 604:
§ 1º – Quando a elaboração da memória do cálculo depender de dados existentes em poder do devedor ou de terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá requisitá-los, fixando prazo de até 30 (trinta) dias para o cumprimento da diligência; se os dados não forem, injustificadamente, apresentados pelo devedor, reputar-se-ão corretos os cálculos apresentados pelo credor e a resistência do terceiro será considerada desobediência.
§ 2º – Poderá o juiz, antes de determinar a citação, valer-se do contador do juízo quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exequenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária. Se o credor não concordar com esse demonstrativo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado pelo contador.

4. O artigo 605

O antigo artigo 605, do C.P.C., estava assim consubstanciado:

Art. 605
– Elaborado o cálculo, sobre este manifestar-se-ão as partes no prazo comum de 5 (cinco) dias; o juiz, em seguida, decidirá.
Parágrafo único. Do Mandado executivo constará, além do cálculo, a sentença.
O novo texto dado pela Lei 8.898 de 29.06.1994 é o seguinte:

Art. 605
– Para os fins do artigo 570, poderá o devedor proceder ao cálculo na forma do artigo anterior, depositando, de imediato, o valor apurado.

5. O artigo 609

A antiga redação do artigo 609 era:

Art. 609
– Observar-se-á, na liquidação por artigos, o procedimento ordinário, regulado no Livro I deste Código.
Este artigo fica assim substituído, pela Lei 8.898 de 29.06.1994:

Art. 609
– Observar-se-á, na liquidação por artigos, o procedimento comum regulado no Livro I deste Código.

6. O artigo 614

Era o seguinte o texto do artigo 614:

Art. 614
– Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:
I – com o título executivo, salvo se ela se fundar em sentença (art. 584);
II – com a prova de que se verificou a condição ou ocorreu o termo (art. 572).
A Lei 8953, de 13.12.1994 assim modificou os incisos do art. 614, acrescentando o de nº II:
I – com o título executivo, salvo se ela se fundar em sentença (art. 584);
II – com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;
III – com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572).
As modificações introduzidas pelas leis citadas podem ser resumidas em quatro pontos principais, os quais abordamos a seguir.

7. Sistemática de citação na execução

O novo texto do CPC estabelece no parágrafo único do art. 603 a sistemática de citação na pessoa do advogado do réu, constituído nos autos, quando se tratar de liquidação por arbitramento ou liquidação por artigos.
Esta alteração não traz qualquer tipo de prejuízo ao executado, tendo em vista que são mantidos todos os procedimentos de defesa originários, solucionando de vez a dúvida existente até então sobre a necessidade e forma de citação nas modalidades de processo de liquidação de sentença e na execução em geral.
A alteração, entretanto, poderia ter sido ainda mais benéfica se a palavra “citação” fosse substituída por “intimação”. Em emenda regularmente apresentada na Câmara dos Deputados foi sugerida esta substituição, lamentavelmente rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação daquela casa, a pretexto de que a nova Lei alcança não só a execução de sentença, mas também a execução em geral, onde o executado, não integrando ainda a lide, não teria ainda constituído procurador que pudesse ser intimado.
Não é este o melhor entendimento, levando-se em consideração que o texto do parágrafo único do art. 603 do CPC se restringe apenas à liquidação de sentença por arbitramento ou por artigos e à hipótese de existência de advogado constituído nos autos. Para os demais casos, não havendo advogado constituído nos autos principais ou em apartado, o procedimento seria citatório, conforme prevê o art. 614 do CPC.
A despeito de se reconhecer que os processos de conhecimento, liquidação de sentença e execução de sentença são autônomos, avaliamos como mero formalismo a exigência de citação do réu, quando a intimação na pessoa de seu advogado, já constituído nos autos, não lhe traria prejuízo e economizaria o tempo precioso de uma diligência. A previsão de citação na pessoa do advogado traz em seu bojo outros detalhes que podem dar azo a discussões, como: O instrumento de mandato teria, obrigatoriamente, que especificar os poderes do procurador para receber citação (art. 38 CPC)? Se a citação se faz somente pelo correio, por oficial de justiça ou por edital (art. 221 CPC), qual a vantagem de se citar o procurador em lugar do constituinte?
Concluindo, reputa-se pertinente a sugestão de substituição da citação pela intimação no parágrafo único do art. 603 do CPC, como ocorre com a ação reconvencional (art. 316 CPC) e nos embargos à execução (art. 740 CPC).

8. Procedimento comum na liquidação

A alteração introduzida no artigo 609, substituindo a expressão “ordinário” por “comum”, afasta a incongruência de que a liquidação por artigos de sentença proferida em processo sob rito sumário seja feita pelo rito ordinário.
Equipara-se, então, na liquidação de sentença, o procedimento adotado na fase de conhecimento, evitando-se absurdos que ocorriam quando liquidações de sentença perduravam por mais tempo que a própria ação principal, que tivessem seguido o rito sumaríssimo.

9. Cálculo pelas partes como regra geral

A mais importante inovação da Lei 8.898 de 29.06.1994 foi a eliminação do processo de liquidação por cálculo do contador, fase que muitas vezes consome tempo apreciável, seja pela necessidade de se refazer os cálculos para sucessivas atualizações, seja pela necessidade de sentença homologatória com eventual apelação, recurso extraordinário e/ou especial.
Por outro lado, o trabalho do contador ganha em qualidade e especialização, tendo em vista a substituição de grande parte das tarefas repetitivas por tarefas de análise e revisão técnicas, transferindo-se às partes as atividades de execução de cálculos.
Dependendo a liquidação apenas de cálculo aritmético (aluguéis, rendimentos, honorários, pensões, correção monetária, juros, etc.), ou seja, não se enquadrando nos casos em que a lei exija a liquidação por arbitramento ou por artigos, o próprio exeqüente juntará à sua petição de execução por quantia certa a memória de cálculo atualizada, possibilitando o prosseguimento da ação com a execução na forma dos art. 652 e seguintes, que explicitam o prazo de 24 horas para pagamento do débito, assim como o modo de nomeação de bens à penhora.
Da mesma forma, o exeqüente ao propor ação autônoma de execução instruirá seu pedido com memória de cálculo fundamentada, incluindo correção monetária, juros e demais encargos contratuais ou legais.
O executado poderá, então, impugnar os cálculos via embargos do devedor (art. 741, V e VI do CPC), apresentando os seus de forma fundamentada, com a faculdade de usar dos recursos adequados a esta fase.
Enfim, em qualquer momento no curso do processo que seja necessária a elaboração de cálculos aritméticos, caberá à parte interessada apresentá-los, facultada a sua impugnação pela parte contrária, no momento oportuno.
Nas hipóteses de liquidação por arbitramento ou por artigos o exequente apresentará os cálculos após o trânsito em julgado da sentença que apreciar a liquidação, procedendo então à sua execução, sem que seja necessária a ida dos autos ao Contador.
Eliminado o processo de liquidação por cálculo do contador, foi ele transferido às partes, que deverão providenciar os cálculos de liquidação atualizados e com memória. A parte contrária, por sua vez, ao impugnar os cálculos nos embargos do devedor, deverá fazê-lo fundamentadamente, para que assim o juiz da causa tenha condição de decidir a matéria técnica em exame.
Caso as partes não se conciliem, o Juiz nomeará perito para a elaboração dos cálculos, dependendo os mesmos de conhecimento especial de técnico (art. 420 do CPC).
Como se pode observar, com a Lei 8.898 de 29.06.1994 as Contadorias Judiciais haviam praticamente perdido a sua função, agora restaurada pela Lei 10.444 de 07.05.2002. O parágrafo 1º do art. 604 introduziu a confissão na hipótese do devedor ou terceiro intimados a fazê-lo, não apresentarem, injustificadamente, dados fundamentais para a elaboração da memória de cálculo, considerada a resistência como desobediência.
Alteração importante foi introduzida pelo parágrafo 2º do art. 604 do CPC, que abriu a possibilidade do juiz valer-se do contador quando os cálculos do credor aparentemente excederem os limites da decisão ou nos casos de assistência judiciária.
Acrescenta o parágrafo modificado pela Lei 10.444 de 07.05.2002, que se o credor não concordar com o demonstrativo apresentado pela Contadoria Judicial, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora se baseará no valor encontrado pelo Contador Judicial.
Observe-se, entretanto, que a parte que se considerar prejudicada com os cálculos poderá, nos Embargos do Devedor, apresentar trabalho elaborado por Perito que faça a crítica aos cálculos e elabore novos.
Esta alteração reintroduziu, portanto, duas exceções à regra geral do cálculo pelas partes, em que o cálculo não será executado pelas partes, mas pela Contadoria Judicial.

10. Cálculo pelo devedor

O texto do artigo 605 é suprimido em favor de novo dispositivo, com expressa referência ao artigo 570, o qual possibilita ao devedor requerer ao Juiz o pagamento do débito, mandando citar o credor e assumindo posição semelhante à do exequente.
O devedor procederá ao cálculo na forma do artigo 604 do CPC, depositando de imediato o valor apurado. Ainda que haja discussão nos autos sobre o valor depositado, o incontroverso já estará à disposição do credor, antecipando-se assim a uma eventual Carta de Sentença pelo sistema vigente.

11. Conclusão

Estas são as modificações impostas pelas leis citadas, que em muito simplificarão e acelerarão o trâmite processual, reduzindo os custos suportados pelo Estado na prestação jurisdicional e trazendo uma contribuição significativa à modernização da legislação processual civil. Com o aperfeiçoamento do CPC, código que pelo seu formalismo admite recursos às vezes excessivos ou meramente protelatórios, ameniza-se a repercussão negativa da lentidão da prestação jurisdicional, por tantos reclamada.
* O Autor é parecerista jurídico-econômico-financeiro, especialista em liquidação de sentença e cálculos judiciais, extrajudiciais e de precatórios, propositor da tabela uniforme de fatores de atualização monetária para a Justiça Estadual aprovada no 11º ENCOGE, engenheiro, advogado e pós-graduado em contabilidade, com site em www.gilbertomelo.com.br.