Gilberto Melo

Indenizações por servidão devem ter maior rigor

A necessidade de obedecer novos parâmetros ambientais em sucessivas mudanças legais e na interpretação dos tribunais sofistica, cada vez mais, o processo de desapropriação — em especial, nas desapropriações parciais destinadas à viabilização da passagem de oleodutos e os “linhões” para transmissão de energia elétrica em alta tensão.

As avaliações, nesse caso, fogem da rotina, pois não têm similar no mercado de compra e venda de terra nua. A regra geral, primitivamente utilizada, era a de estimar as indenizações pelo método “Antes” e “Depois”, isto é, comparando os valores do imóvel na sua condição primitiva (antes) e na sua situação remanescente (depois).

Diferente da expropriação é a servidão. Enquanto na primeira o particular perde a propriedade do imóvel expropriando, na segunda ele a conserva, embora gravada por um ônus de uso. Contudo, o Poder Público institui uma servidão da mesma forma que desapropria um imóvel. Dispõe o artigo 40 do Decreto-Lei 3.365, de 1941 (Lei das Desapropriações), verbis: “O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei.” Assim, relativamente à instituição de servidão, anotamos: declaração de utilidade pública, processo Judicial, imissão prévia de posse, aceitação do preço e litígio.

Não é fácil a determinação do quantum indenizatório numa expropriação total em que a mesma deve corresponder ao justo e real valor do imóvel. Mais difícil, ainda, quando se trata de expropriação parcial. Por outro lado, quando se trata da fixação de indenização correspondente ao prejuízo causado pela instituição de uma servidão, há que se dizer que, na verdade, além de determinação do valor do imóvel, é necessário estabelecer até que ponto esse valor foi diminuído, ou seja, qual é o valor do prejuízo do seu proprietário, em virtude da instituição da servidão.

Ocorre que a diretriz é de costumeira observância em casos de imóveis rurais ou urbanos quando glebas, em que a servidão alcança lotes de reduzidas dimensões, motivo pelo qual, aliada às limitações urbanísticas locais, praticamente os inutiliza para fins de edificação.

É de senso comum que a passagem de uma linha de transmissão de energia elétrica, numa área grande, destinada a pasto de animais ou ocupada com plantação de pequeno porte, não a altera de forma substancial. E é óbvio que a mesma passagem numa área pequena, como os lotes de um loteamento, os quais existem de direito e de fato, causa-lhes limitações no que tange à edificação, que constituem o fim a que se destinam, razão pela qual para imóveis urbanos é comum indenizar pela servidão de passagem 2/3 do valor da terra nua e para imóveis rurais 1/3 do valor da terra.

Diferenças para torres e oleodutos
As servidões são compreensíveis para as linhas de alta ou de baixa tensão, transmissoras de energia elétrica, que ocupam o espaço aéreo e apenas assentam as colunas em pequenos trechos de terreno. No entanto, cada caso deve ser particularmente examinado. Em se tratando de oleoduto, evidentemente que a ocupação, além de impeditiva para o uso da propriedade alheia, a ação em alguns casos não deveria ser apenas como simples servidão de passagem, o que os expropriados aceitam senão teriam que ingressar com outra ação de desapropriação indireta arcando com todas custas, o que nem sempre estão dispostos.

Considerações a fazer: a servidão de passagem pode ser considerada como um caso particular de desapropriação, caracterizada por uma relação entre dois imóveis, onerando o serviente. A servidão envolve uma obrigação negativa por parte do imóvel serviente obrigado a suportar as limitações que constituem a própria servidão.

A servidão supõe, necessariamente, a existência de pelo menos dois imóveis pertencentes a proprietários distintos. Por conseguinte, a desapropriação ou a instituição de servidão de passagem se faz por necessidade ou utilidade pública mediante indenização.

Há restrições: de um modo geral, as servidões de passagem podem ser classificadas em três grupos: subterrâneas, superficiais e aéreas.

Subterrâneas, quando destinadas a: oleodutos; gasodutos; eletrodutos para energia elétrica; galerias de águas pluviais; drenos em geral; emissários de esgotos sanitários ou industriais e para vários outros fins, desde que enterrados.

Superficiais: quando previstas para serem utilizadas como: estradas vicinais; estradas de ligação rural; canais e outras finalidades, sempre que ocorrerem na superfície do solo.

Aéreas, quando destinadas a linhas de transmissão de energia elétrica; cabos telefônicos; viadutos e outros fins, desde que ocupem o espaço aéreo da propriedade.

Riscos, restrições e incômodos
A implantação de uma servidão, qualquer que seja o tipo ou a sua localização, envolve riscos, incômodos e restrições causados ao imóvel serviente. No caso específico de linhas aéreas de transmissão de energia elétrica, por exemplo, embora diminuídos e atenuados pela rigorosa observância das normas de segurança que caracterizam a sua execução, podem ser citados:

Os riscos: possibilidade de rompimento dos cabos elétricos, quer por defeito de fabricação ou fadiga do material, quer pela ação dos ventos.

Restrições: a faixa de servidão torna-se non aedificandi, não se permitindo a existência de construções nela, sendo necessário, inclusive, demolir as existentes; a proibição de culturas de porte é óbvia, vedando-se, expressamente, o plantio de eucaliptos, pinheiros e de outros tipos indicados para reflorestamento; a proibição de queimadas na faixa de servidão e nas áreas adjacentes.

Incômodos: Interferências em aparelhos receptores e transmissores instalados nas proximidades da linha; passagem de pessoas e veículos que cuidam da fiscalização da faixa e das linhas.

Em vários casos de oleodutos, os prejuízos são ainda maiores, ocorrendo a subtração quase integral do domínio das terras e deixando-se ao proprietário apenas o direito de atravessar a faixa destinada à colocação da tubulação. Com efeito, as próprias petições iniciais elaboradas pela Petrobrás, em ações de desapropriação para instituição de servidão de passagem, costumam conter o seguinte parágrafo: “Que sendo a presente desapropriação de simples Servidão de passagem para o oleoduto, que ficará enterrado e não será cercado, fica o expropriado com o direito de passagem sobre a faixa, não podendo, todavia, praticar dentro da área subtraída ao seu livre uso e gozo, quaisquer atos que embaracem ou causem danos, incluídos entre eles o de erguer construções, fazer plantações e culturas, queimadas ou fazer uso de explosivos, bem como obstar à suplicante o direito de realizar na faixa a manutenção, reparação e fiscalização de tubulações ou serviços conexos ao bom funcionamento do mesmo.”

Como se observa, no caso em exame, a Petrobrás, empresa estatal que deseja ver instituída a servidão, praticamente passa a ser dona das terras, enquanto que o legítimo proprietário é quem ficará com o direito de passagem. Uma situação de fato, que exige uma indenização à altura dos prejuízos sofridos e das limitações impostas, porém o tipo de ação (de servidão de passagem ou expropriação), e definido com ingresso da ação judicial não cabendo ao perito opinar, salvo se houver quesito sobre o assunto.

Apenas a título de ilustração, veja-se o seguinte exemplo: em São Paulo, a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), tem instituído servidões subterrâneas, principalmente para túneis e acessos às estações; após a execução das referidas obras, durante as quais são demolidas as benfeitorias existentes, o metrô as libera com a restrição adicional de só permitir a edificação de prédios com gabarito limitado e fixado em função da profundidade do acesso ao túnel.

O cálculo da indenização leva em conta a servidão de passagem: valor das terras nuas; as benfeitorias e construções. No caso das plantações há os lucros cessantes, os custos da regularização da escritura e o registro do remanescente. Também, se existe depreciação da área remanescente.

Para a apuração de eventual prejuízo decorrente das restrições construtivas, foi desenvolvido um critério lógico e racional. É Importante lembrar também que o valor da indenização corresponde apenas ao prejuízo decorrente das restrições construtivas, representadas pela limitação e gabarito, imposta pela servidão. Exemplo: passar por um loteamento.

Servidões devem ser avaliadas em função das restrições que acarretem ou sejam impostas ao imóvel, conforme previsto em normas específicas.

Não é difícil concluir que a importância da perícia se redimensiona na medida em que suas consequências passaram a implicar o sucesso, ou o insucesso de empreendimentos que envolvem a matriz energética brasileira ou projetos relacionados ao sistema produtivo nacional.

Autor (es): José Eduardo Santana Leite e Tamara de Castro Santana Leite
Fonte: www.conjur.com.br