Gilberto Melo

Empresas familiares começam a adotar arbitragem nos conflitos

Dois sócios de uma transportadora de grande porte, cada um com 50% da sociedade, decidiram resolver seus problemas na administração da empresa por meio da arbitragem. A decisão arbitral resultou na exclusão de um deles da sociedade. O caso seria relativamente comum, não fosse o fato de que os dois sócios são irmãos. Trata-se de um exemplo do uso da arbitragem por empresas familiares no Brasil, ainda incipiente, tendo em vista a resistência das famílias em inserir cláusulas arbitrais nos contratos – o que poderia pressupor a existência de um conflito. Casos como este, no entanto, começam a despontar. Segundo profissionais dos chamados “family offices”, que tratam do planejamento sucessórios das empresas familiares, o uso da arbitragem é uma tendência neste tipo de empresa no país.

Disciplinada há 12 anos no Brasil pela Lei nº 9.307, de 1996, a arbitragem é uma alternativa mais célere na solução de conflitos do que os processos judiciais usada para casos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Para fazer uso do método, é preciso inserir uma cláusula arbitral no contrato societário. Mas nas empresas familiares, onde muitas vezes é feito um acordo verbal entre os membros da família, isto ainda não é comum. Segundo o consultor de empresas Pedro Podboi Adachi, um dos responsáveis por uma pesquisa realizada neste ano com 100 empresas familiares no país, constatou-se que apenas um terço das entrevistadas possui um acordo societário formal. 

No caso dos irmãos e sócios da transportadora, no entanto, a cláusula arbitral foi inserida no contrato já em 2005. A escolha pela arbitragem ocorreu quando a empresa decidiu adotar mecanismos de governança corporativa, o que previa a formação de um conselho de administração. Os membros do conselho deveriam ser indicados pelos dois sócios e irmãos, que detinham a mesma participação na sociedade, e o acordo proibia a indicação dos filhos para o cargo. Mas um dos irmãos infringiu esta regra, o que culminou na necessidade de solução do conflito, previsto para ser resolvido pela arbitragem. O procedimento arbitral, ajuizado pela outra parte, pleiteava a exclusão do irmão da sociedade. Após seis meses de procedimento, a sentença arbitral da Câmara Americana de Comércio (Amcham), decidiu pela exclusão do sócio. “Se eles tivessem optado por um processo judicial, certamente a empresa já teria quebrado”, diz o advogado Nilton Serson, do escritório Nilton Serson Advogados Associados, que defendeu a parte vitoriosa no processo arbitral. 

Evitar a falência da empresa também é a principal vantagem que o advogado Pedro Benedito Maciel Neto, do escritório Maciel Neto Advogados, aponta na arbitragem. Recentemente, Neto atuou em um procedimento arbitral que tinha o objetivo de resolver um conflito em um grupo de empresas familiares do ramo de confecções de grife em São Paulo. Novamente, a história envolvia a briga entre dois irmãos, sócios em várias empresas da área, que entraram em conflito diante de divergências na forma de gestão dos negócios. Após cinco meses, o sócio defendido pelo advogado foi indenizado e excluído da sociedade, e a empresa manteve a lucratividade. Neto atua também em uma disputa similar, entre marido e mulher, na Justiça – e o resultado é que, após dez anos de tramitação do processo, as empresas em jogo encontram-se inativas. 

De acordo com profissionais de “family offices”, as empresas familiares tem se mostrado cada vez menos conservadoras na opção pela arbitragem. Segundo Renato Bernhoeft, da Bernhoeft Consultoria Societária, o escritório tem insistido na inserção da cláusula arbitral nos contratos deste tipo de empresa, o que é adaptável às características das famílias. “Em empresas judaicas, a cláusula prevê a indicação de um rabino como árbitro”, conta. Para René Werner, do escritório Werner & Associados, muitas vezes as famílias resistem em inserir cláusulas de arbitragem, pois acreditam que o conflito entre parentes tão próximos não é possível. “Procuro conscientizar as famílias que, no caso de um conflito na empresa, a arbitragem vai evitar que ela seja exposta ao público”, diz. Segundo René, a arbitragem já é largamente utilizada nas empresas familiares na Europa e nos Estados Unidos. 

Segundo Roberto Faldini, do escritório Faldini Participações Administração e Investimento, o método de resolução de conflitos que mais tem crescido nas empresas familiares é a mediação, que é a tentativa de acordo antes da opção pela arbitragem ou pela Justiça. Segundo Faldini, que tem atuado como mediador em disputas familiares, um dos principais pontos de conflito é o planejamento sucessório. “Por vezes a empresa se recupera, mas as relações pessoais ficam prejudicadas”, diz.