Gilberto Melo

Duodécuplo da taxa de juros

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Tabela 1: Capitalização de juros no período

Artigo de Mauro Sérgio Rodrigues, advogado (OAB/SP nº 111.643).

Uma crítica às recém-editadas Súmulas 539 e 541/STJ de primazia do anatocismo

O poder constituído (leia-se Estado-juiz), novamente permite aos bancos espoliar economicamente a sociedade brasileira, notadamente cidadãos de baixa renda e microempresários dependentes naturais do crédito (bancos), ao decidir de modo totalmente equivocado que “A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada” (Súmula 541/STJ). Mas quem sabe o que é duodécuplo de alguma coisa ou da taxa nominal de juros?

O julgador contemporâneo tem dever de julgar sob a ótica do “homem médio”, não do ponto de vista de quem detém conhecimento profundo em matemática financeira e da ciência jurídica. O consumidor, leigo por excelência sobre temas de alta indagação técnica financeira (CDC, art. 4º, inc. I), merece dos Órgãos de jurisdição facilitação da defesa de seus direitos em juízo (CDC, art. 6º, inc. VIII) e de ser protegido contra condições manifestamente excessivas e/ou abusivas como é o caso dos juros pelo regime composto de capitalização (CDC, artigos 6º, inc. V, 39, inc. V e 51, inc. IV).

O E. STJ, nesta matéria, distante do dever constitucional de proteção e defesa do consumidor bancário (CF/88, art. 5º, inc. XXXII, 170, inciso V e artigo 48 do ADCT), ao longo dos últimos anos vem beneficiando de modo acintoso e antijurídico os integrantes do Sistema Financeiro Nacional quando se observa não medir esforços para fazer valer a qualquer custo o famigerado anatocismo (cobrança de juros de juros; progressão geométrica) passando por cima da vigente Súmula 121 do Excelso Pretório: “É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA”.

A razão da Súmula 121/STF não é outra senão vedar a remuneração absurda que a fórmula financeira desenvolvida pelo pastor protestante inglês Richard Price, produz num contrato de empréstimo de qualquer espécie (cheque especial, CDC, financiamento habitacional, capital de giro, empréstimos, crédito consignado, etc.). Price, através desta parábola demonstra como qualquer devedor proporciona uma chocante riqueza ao credor, transferindo-lhe enorme porção de renda, em função do tempo de duração da sua dívida, o que produz um componente cruel de geração de pobreza e exclusão social: Um centavo de libra emprestado na data de nascimento de nosso Salvador a um Juro Composto de cinco por cento teria, no presente ano de 1781, resultado em um montante maior do que o contido em DUZENTOS MILHÕES de Terras, todas de ouro maciço. Porém, caso ele tivesse sido emprestado a Juro Simples, ele teria, no mesmo período, totalizando não mais do que SETE XELINS E SEIS CENTAVOS (NOGUEIRA, 20081).

A questão central da exponencialização dos juros (anatocismo) é a quebra da comutatividade contratual, haja vista o banco cobrar valor maior sem contraprestação ao consumidor! Daí o locupletamento sem causa da casa bancária!
Se ao consumidor não é dado conhecer previamente e com clareza determinado componente do preço, dele nada poderá ser validamente exigido (CDC, artigos 46-47).

Em quase duas décadas de atendimento aos tomadores de crédito não teve um que soubesse explicar o significado de anatocismo, que dirá duodécuplo da taxa de juros!!

O eminente matemático e Profº Edson Rovina, autor da obra Uma Nova Visão da Matemática Financeira para Laudos Periciais e Contratos de Amortização (Millennium Editora, 2009), em primeiríssima mão nos franqueou e autorizou divulgação de trecho da nova edição deste livro que permitirá ao leigo como eu ter uma visão real do que acontece com a cobrança dos juros de juros:
3.1. Uma tomografia dos juros compostos

Há muita discussão sobre juros capitalizados e muitos falam sobre o que é capitalizar os juros. As definições e fórmulas matemáticas nem sempre são corretamente interpretadas, assim resta uma pergunta: Será que todos entendem e compreendem perfeitamente o que significa capitalização de juros? Para podermos compreender perfeitamente o que é capitalizar os juros vamos fatiar cada um dos períodos e tal qual uma tomografia, vamos olhar como a Equação 7, FV = PV x (1 + i)n, determina o total de juros.

Antes, porém, vamos utilizar uma forma conhecida da demonstração de capitalização de juros, e para tanto vamos considerar um exemplo com as seguintes características: capital inicial (PV) de $ 10.000,00, prazo (n) de 4 meses e uma taxa de juros (i) de 3,0% ao mês.

Finalmente, para melhor visualizar os cálculos a seguir apresentamos a Figura 2 onde os juros e seus desdobramentos estão organizados por período. Destacamos que os valores de $300,00 acima da linha diagonal tracejada representam os juros calculados em regime de juros simples, ou seja, o valor do capital multiplicado pela taxa de juros. Enquanto, os abaixo da linha tracejada, representam os valores dos juros produzidos sobre os juros de cada uma das parcelas de juros:

Figura 2: Tomografia dos cálculos de juros capitalizado

Observe que no primeiro período há somente $ 300,00 de juros; já no segundo período há $ 300,00 de juros (calculado sobre o capital) e há ainda $ 9,00 (calculado sobre os juros do primeiro período). Quando analisamos o terceiro período identificamos novamente a parcela de $ 300,00 (juros calculado sobre o capital), dois valores de $ 9,00 (um correspondente aos juros dos juros do primeiro período e outro correspondente aos juros do segundo período) e uma parcela de $ 0,27 correspondente aos juros dos juros ($ 9,00) determinados no segundo período.

Basta proceder de forma análoga que você irá identificar os juros dos juros dos juros dos juros no quarto período no valor de $ 0,0081. Talvez você até ache que o valor de $ 0,0081 acaba não impactando nos cálculos, mas o processo de cálculo efetuado através da equação de juros capitalizados (equação 7) considerada todos os valores, mesmo que insignificantes. Isso quer dizer que o sistema de juros compostos além de calcular juros sobre juros não deixa escapar nenhuma quirela, nenhuma parte, quer seja ela, décimos, centésimos, milésimos, ou qualquer outra fração de centavos.

Este trabalho do Profº Rovina nos permite extrair duas conclusões. A pessoa comum do povo, leigo por excelência em matemática financeira, jamais conseguirá entender o real significado do anatocismo; segundo, trata-se de cobrança minimamente imoral, pois exige juros dos juros que pago em cada prestação. Quanto maior o período (prestações), maior a espoliação econômica, maior o rombo para os dependentes do crédito (superendividamento).

Por mais que queiram “torcer” o texto da Lei Maior, a proteção e defesa do consumidor é imperativo constitucional que se impõe (CF/88, art. 5º, inc. XXXII), de modo que o anatocismo por ser notório elemento de excessividade remuneratória do banco não prevalece contra o consumidor bancário, vulnerável por excelência nas relações de consumo (CDC, art. 4º, inc. I). As ilegais e inconstitucionais Súmulas 539 e 541/STJ devem ser prontamente canceladas em homenagem ao equilíbrio contratual e ao consumidor bancário.

Autor: Mauro Sérgio Rodrigues, advogado, pós-graduado em Direito Empresarial e Processo Civil, autor do livro Processo Civil do Consumidor Bancário (Millennium Editora, 2011).

Fonte: www.espacovital.com.br