Gilberto Melo

Aplicação do artigo 1º-F da Lei 9.494/97 às condenações da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios

O artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, é compatível com o sistema de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal, nas condenações da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios?

1. Introdução
O objetivo do presente artigo é realizar uma análise acerca da compatibilidade do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, com o sistema de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal, nas condenações da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios.
O enfoque do trabalho reside, principalmente, na análise da expressão “compensação da mora” contrastada com a impossibilidade, por imposição constitucional, do cumprimento voluntário das obrigações da Fazenda Pública decorrentes de honorários advocatícios fixados decisão judicial transitada em julgado.

2. A atual redação do Artigo 1º-F Da Lei 9.494/97
O texto inicial do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97 foi incluído por meio da Medida Provisória n. 2.180-35 e previa apenas limite de 6% (seis por cento) aos juros moratórios “nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos“.

Como se observa, o dispositivo, quando introduzido, não tratava de forma geral os índices de atualização das condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, pois se restringia a regular débitos referentes a verbas remuneratórias.

Nesse passo, era inexistente no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo que tratasse especificamente da atualização dos débitos fazendários decorrentes de provimento jurisdicional.

A exceção a essa afirmação é o índice de atualização utilizado para a restituição de indébitos tributários. Nessa situação é uníssona a posição dos Tribunais pela aplicação da Taxa Selic, a partir da vigência da Lei n. 9.250/95 (art. 39, §4º[1]).

Diante disso, a jurisprudência definiu a aplicação para os débitos judiciais do Poder Público de índices de correção monetária e fixação de juros utilizados nas condenações em geral.

Nesse sentido, inclusive, pode-se citar a edição de manuais para a realização de cálculos judiciais pelos Tribunais; exemplificando, calha destacar o Manual de orientação de procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, editado pelo Conselho da Justiça Federal e aplicável a ela em todo o país.

Com o advento da Lei n. 11.960/2009, foram introduzidas severas alterações no artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, com o estabelecimento de regra específica para a atualização dos débitos da Fazenda Pública decorrentes de decisão judicial. Segue a nova redação, in verbis:

Art. 1o-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009)

Da leitura do dispositivo, logo se vê que ele tenta abraçar todas as hipóteses de dívidas advindas de condenações à Fazenda Pública. Entretanto, como se demonstrará o dispositivo não encontra completa aplicabilidade a todos os casos, especialmente em relação às condenações em honorários advocatícios.

3. Da natureza da santença que arbitra os honorários advocatícios
O professor Humberto Theodoro Júnior classifica as sentenças em declaratórias, constitutivas e condenatórias (2007:583)

Leciona que as primeiras se atêm a “declarar a certeza da existência ou inexistência da relação jurídica, ou da autenticidade ou falsidade de documento (art. 4º).”

Em relação às condenatórias, vaticina:

“Na sentença condenatória, certifica-se a existência do direito da parte vencedora, ‘como preparação à obtenção de um bem jurídico’. Exerce, pois, dupla função: ‘aprecia e declara o direito existente e prepara a execução. Contém, portanto, um comando diverso do comando da sentença declaratória, pois determina que se realize e torne efetiva determinada sanção, isto é, que o vencido cumpra a prestação de dar fazer ou não fazer, ou abster-se de realizar certo fato, ou de desfazer o que realizou’”.

O doutrinador arremata asseverando que as sentenças constitutivas, sem se limitar à declaração do direito, “cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica”

Diante da explanação acima, possível concluir que a decisão judicial que fixa os honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública possui natureza condenatória, ao passo que permite ao vencedor fazer valer o seu pagamento, por meio de eventual tutela executiva.

Calha observar, entretanto, que, via de regra, as sentenças condenatórias possuem efeitos ex tunc, ou seja, retroagem à data em que o devedor foi constituído em mora, momento normalmente coincidente com a citação para responder aos termos da ação (art. 219 do Código de Processo Civil).

Esse entendimento não prevalece no que tange à condenação ao pagamento dos honorários advocatícios. Isso porque a sentença condenatória, nesse caso, faz nascer a obrigação ao pagamento. Tal direito não era existente antes de prolatado o provimento jurisdicional.

Os honorários advocatícios, no termos dos artigos 20 e 21[2] do Código de Processo Civil, devem obediência ao princípio da sucumbência e, por essa razão não há falar em surgimento do direito à percepção judicial dessa verba anteriormente à decisão favorável da causa. Pela mesma razão, conclui-se pela inexistência de mora antes da prolação da sentença, ou melhor, de seu trânsito em julgado, quando a prestação honorária passa a ser exigível.

Essa regra, contudo – acerca da exigibilidade dos honorários após o trânsito em julgado da sentença – deve ser aplicada à Fazenda Pública com temperamentos, pois se faz necessário aferir o momento em que se configura a mora do Poder Público.

4. Do conceito de mora e do Sistema Constitucional de Precatórios
O Código Civil vigente destinou o Capítulo II do seu Título IV para tratar da questão. Estabelece o artigo 394:

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Importante, também, destacar a redação do artigo 396:

Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.

Pelos dispositivos transcritos, possível concluir que a mora do devedor se caracteriza pela ausência do cumprimento da obrigação imputável ao devedor; inexistente fato ou omissão a ele atribuída, a mora está descaracterizada.

Ocorre que a Fazenda Pública, quando condenada ao pagamento de honorários advocatícios, está impossibilitada de realizar o cumprimento voluntário da obrigação, em virtude do sistema de precatórios estabelecido na Constituição da República.

A matéria encontra previsão no artigo 100 da Carta, que prevê que os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas (…), em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios.

Logo, a Constituição estabelece o precatório como forma adequada para os pagamentos da Fazenda Pública decorrentes de sentença judicial, o que impossibilita a realização do pagamento por outro meio.

O Supremo Tribunal Federal já consignou que o sistema de precatórios visa a consagra o princípio da igualdade. Nesse sentido, vale transcrever o seguinte excerto extraído da ADI n. 584/PR:

“A norma consubstanciada no art. 100 da Carta Política traduz um dos mais expressivos postulados realizadores do princípio da igualdade, pois busca conferir, na concreção do seu alcance, efetividade à exigência constitucional de tratamento isonômico dos credores do Estado“.

Trata-se, assim, de regramento constitucional, fundado no princípio da isonomia, que determina a observância da ordem de apresentação dos precatórios e, por isso, impedindo que a obrigação seja satisfeita com antecedência.

Pela imposição constitucional, bem como diante do conceito de mora, o que se observa é que a Fazenda Pública não realiza o pagamento dos honorários a que foi condenada, não voluntariamente, mas por força da disciplina instituída pela Lei Maior.

Pela redação constitucional, infere-se que a mora da Fazenda Pública, seja Federal, Estadual ou Municipal, somente poderá ser a ela atribuída se o pagamento não for realizado no momento que a Constituição determina.

Por tal razão, em condenações dessa natureza, impossível falar em mora da Fazenda. Conseqüentemente, não se pode cogitar a incidência de juros moratórios, refutando, portanto, a incidência do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, em relação a eles.

Essa posição vem sendo contemplada pelos Tribunais Pátrios, especialmente no âmbito do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como exemplificam os seguintes arestos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DISCUSSÃO SOBRE O TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS MORATÓRIOS NA EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROPOSTA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA PARA A COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRETENSÃO RECURSAL EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

1. A controvérsia consiste em saber quando são devidos juros moratórios na execução contra a Fazenda Pública para a cobrança de honorários advocatícios, fixados estes, na sentença exequenda, em determinado percentual sobre o valor dado à causa.

2. Afasta-se a alegada ofensa aos arts. 458, 515 e 535 do CPC, pois, ao julgar os embargos declaratórios, o Tribunal de origem não se devia pronunciar sobre os arts. 20, §§ 3º e 4º, 125, I, e 293 do CPC, e 280, 389, 395 e 407 do Código Civil. Isto porque tais dispositivos legais não são relevantes para a resolução da controvérsia dos autos, considerado o entendimento a seguir.

3. Esta Corte firmou sua jurisprudência no sentido de que, quando for executada a Fazenda Pública, só incidem juros moratórios se a verba honorária não for paga no prazo estipulado paga o pagamento do precatório ou da requisição de pequeno valor, conforme o caso. Nesse sentido: REsp 1.096.345/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 16.4.2009; REsp 1.132.350/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 17.12.2009; AgRg no REsp 960.026/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 2.6.2010.

(…) (REsp 1141369/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 15/10/2010)

PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS DE MORA. CONDENAÇÃO DA FAZENDA NACIONAL. PAGAMENTO VINCULADO À EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE JUROS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Nos termos do disposto nos artigos 730 do Código de Processo Civil e 100 da Constituição Federal, em se tratando de execução contra a Fazenda Pública, em que não é facultado realizar o pagamento antecipado de seus débitos judiciais, devendo observar o regime constitucional dos precatórios, inviável se falar em incidência de juros moratórios.

2. Havendo, por parte da Fazenda, o cumprimento do prazo constitucional para o pagamento dos precatórios (mês de dezembro do ano subseqüente ao da respectiva apresentação), os juros moratórios são indevidos. Precedentes desta Corte Superior.

3. Recurso especial provido para retirar os juros moratórios da condenação ao pagamento de verba honorária.

(REsp 1096345/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 16/04/2009)

Por todo o exposto, possível inferir que a previsão da incidência de juros moratórios, constante do artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, não encontra aplicabilidade em relação à condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios, pois ela está impossibilitada, em razão do regime de precatórios, à realização do pagamento voluntário.

5. Conclusão
Pela breve análise empreendida com o presente trabalho, foi possível verificar que a sentença que condena a Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios faz surgir o direito da parte vencedora à sua percepção.

Foi possível observar, entretanto, que, após o nascimento desse direito, não é permitido à Fazenda Pública a realização do pagamento, pois, por força do artigo 100 da Constituição Federal, deve observar a ordem de apresentação dos precatórios.

Por estar impossibilitada ao imediato cumprimento da obrigação, não há mora e, portanto, não pode o Poder Público arcar com a incidência de juros moratórios.

Diante do exposto, conclui-se pela aplicação parcial, aos honorários advocatícios devidos pela Fazenda Pública, do disposto no artigo 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/2009, com a incidência apenas “dos índices oficiais de remuneração básica“, para fins de correção monetária, afastados os juros moratórios.

Referências Bibliográficas
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

FIUZA, Cezar. Direito Civil: Curso Completo. 13 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 25 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v. I. 47 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

Notas
  1. Lei n. 9.250/95, art. 39, § 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.

  2. CPC – Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976)§ 1º O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

§ 2º As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico. (Redação dada pela LLei nº 5.925, de 1973)

§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

a)o grau de zelo do profissional; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)
b)o lugar de prestação do serviço; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)
c)a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)

§ 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)

§ 5o Nas ações de indenização por ato ilícito contra pessoa, o valor da condenação será a soma das prestações vencidas com o capital necessário a produzir a renda correspondente às prestações vincendas (art. 602), podendo estas ser pagas, também mensalmente, na forma do § 2o do referido art. 602, inclusive em consignação na folha de pagamentos do devedor. (Incluído pela Lei nº 6.745, de 1979) (Vide §2º do art 475-Q)

Art. 21. Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.

Parágrafo único. Se um litigante decair de parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e honorários.

Autor: Fernando Dias de Andrade, Procurador da Fazenda Nacional