Gilberto Melo

Advogado quer ser amicus curiae em ações de expurgos inflacionários

Como advogado, ele atua diretamente na defesa de mais de 700 processos relacionados aos Planos Econômicos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I (1990). Cerca de 20% dessas ações já foram encerradas e o dinheiro devolvido aos poupadores. O especialista em direito bancário Alexandre Berthe Pinto ingressou com pedido juntamente ao Supremo Tribunal Federal para figurar como amicus curiae nos julgamentos dos expurgos inflacionários, rebatendo o posicionamento dos bancos e das alegações que julga “meramente econômicas” para suspender os pagamentos dos débitos.

Tenta-se proteger e blindar ao máximo os bancos, mas não há uma palavra de ponderação na defesa dos poupadores. Tem-se medo dos bancos sofrerem risco, o que já mostrou inexistir, mas não há qualquer interesse em proteger o bolso dos poupadores“, acredita.

Quero ingressar no processo demonstrando que o justo é manter o direito aos poupadores, fundamentada em decisões já proferidas e no estudo do cenário político-econômico atual“, explica Berthe Pinto. O amicus curiae, ou amigo da corte, é um instituto jurídico que permite a representatividade de setores da sociedade na jurisdição constitucional. Pode ou não ter caráter assistencial e procura auxiliar em decisões cujas matérias tenham interesse difuso e coletivo. Entidades representativas da coletividade ou profissionais com vasto conhecimento técnico sobre o assunto estão habilitadas a exercer a função.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 165, após retornar da Procuradoria-Geral da República com parecer favorável aos poupadores da época, aguarda decisão do ministro Ricardo Lewandowski do STF. Ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro, a ADPF requer liminar para suspender qualquer espécie de decisão judicial que venha a determinar a reposição de perdas dos planos econômicos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II.

A discussão sobre a quantia devida pelos bancos não é consenso. Instituições financeiras estimam as dívidas entre R$ 80 bilhões e mais de R$ 200 bilhões. O diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Antônio Carlos Negrão, declarou que ainda não houve tempo de calcular os prejuízos. Já um estudo presente no endereço eletrônico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, de autoria de Roberto Luis Troster, ex-economista da Febraban, situa o valor referente unicamente ao Plano Verão em R$ 29 bilhões.

De acordo com a entidade dos banqueiros, tramitam 550 mil ações visando à recuperação das perdas oriundas dos planos econômicos. Entre 1987 e 1991, existiam cerca de 80 milhões de contas desse tipo. Assim, apenas a minoria acionou a Justiça para reaver os prejuízos.

Para Berthe Pinto, as cifras informadas pelos bancos buscam realizar “terrorismo“. Na petição de amicus curiae endereçada ao ministro Dias Toffoli do STF, relator do Recurso Extraordinário 591.797, o advogado observa que somente após divulgação por parte da imprensa sobre os procedimentos a serem tomados pelos poupadores é que os bancos passaram a alterar as defesas apresentadas. “Não que as teses jurídicas tenham mudado, elas continuam as mesmas. Porém, agora possuem recheio de cunho político-econômico“, expõe.

Ao longo dos últimos anos, o Supremo proferiu diversos pareceres favoráveis aos cidadãos que tiveram suas cadernetas de poupança violadas. Todas as instâncias jurídicas brasileiras proferiram decisões sobre a questão. Muitos dos autores dessas ações, inclusive, já receberam as quantias em decorrência de ações já transitadas em julgado.

O Direito Adquirido
Em 1988, pós Regime Militar, a Assembléia Constituinte se reúne para elaborar uma Carta Magna. Com a instituição do Estado Democrático de Direito, garantias fundamentais e inerentes ao homem estavam cerceadas pelo texto. Vinte e dois anos depois, a Constituição Federal resultante daquela reunião é a que mais sofreu alterações. Foram 64 emendas e mais 6 emendas de revisão. Apesar disso, o documento possui dispositivos que limitam possíveis alterações por meio de emendas e que venham a abolir as normas constitucionais relativas às matérias por ela definidas. São as chamadas cláusulas pétreas, que são imutáveis. Uma dessas limitações materiais diz respeito ao direito adquirido. Em virtude dele, nada é capaz de violar o pré-estabelecido e acordado.

Na visão de Berthes Pinto, a questão do pagamento dos expurgos é simples: trata-se unicamente de uma matéria sobre o direito adquirido e “sobre a legalidade ou não dos bancos em terem alterado durante a vigência do contrato o que foi estipulado, mudado as normas por sua própria vontade, desrespeitando o que foi avençado após as partes terem realizado entre si expressa manifestação de vontade, formalizados o ato jurídico perfeito“. A desconsideração desse fato, acredita, é uma ameaça à ordem, já que abre precedentes para a existência de beneficiados e prejudicados sob a alegação de cumprimento da ordem governamental. Assim, acredita, nenhuma lei implantada posteriormente ao firmamento do pacto está habilitada a ignorar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.

É o artigo 5º, inciso XXXVI, que aborda o tema: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada“. De acordo com Berthes Pinto, em seu pedido de amicus curiae, “pode-se imaginar que subtrair dos poupadores o direito, após anos de pacificação jurisprudencial, assemelha-se ao Ato Inconstitucional da Ditadura Militar. Afinal, em ambas as situações, direitos constitucionais estariam sendo exterminados, em proveito de poucos“.

Tanto no momento do congelamento das poupanças quanto agora, no do pagamento dos valores devidos, argumentos de caráter econômico têm sido trazidos à tona. O Acórdão 002.72.05.003515-3 do STF discorre sobre a “impossibilidade de sacrificar-se o princípio constitucional da irretroatividade da Lei, em nome de razões meramente econômicas“.

Berthes Pinto, na defesa de inclusão de seu nome como amicus curiae, declara que “é impossível acreditar que esta Casa [o Supremo] ofertará anistia aos bancos, até pelo fato de que a essência do STF é julgar situações Constitucionais para coletividade. Afastar o direito adquirido apenas neste caso será um afronto, culminando, com o encaminhamento da ocorrência às cortes internacionais, tendo em vista que estaremos diante de violação basilar do principio Constitucional e Democrático, cujos efeitos, certamente, serão maiores“.

Para a Febraban, uma decisão a favor dos poupadores não significa uma vitória. Segundo a entidade, não há direito adquirido em regime monetário. “O STF já decidiu que esse direito não cabe sobre padrões monetários passados e que normas sobre o regime legal da moeda alcançam os contratos em curso. Pareceres de juristas e economistas que conhecem o tema confirmam a constitucionalidade dos planos“, afirma.

Rubens Sardenberg, economista-chefe da entidade, argumenta que os bancos apenas obedeceram à determinações governamentais. Caso os poupadores ganhem as ações, os bancos poderão cobrar até R$ 100 bilhões do Estado. Ele informa, ainda, que 45% das ações são contra bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal. “No fim, é uma coisa injusta para sociedade porque os bancos irão atrás de seu direito e o Estado vai ter que ressarcir. Quem vai ganhar são os poucos que foram espertos“, diz o economista.

A caderneta de poupança
No Brasil, as poupanças existem há mais de 140 anos. São conhecidas pela acessibilidade e pela invulnerabilidade. Como o aporte inicial exigido é baixo, pessoas com pouco poder aquisitivo acabam optando pelas cadernetas de poupança. E, se por um lado o retorno financeiro não é dos melhores, o risco, nos casos em que a aplicação não ultrapasse R$ 60 mil, é zero. Daí advém sua popularidade. De acordo com levantamento realizado em 2006 pelo Banco Central, as cadernetas concentram o segundo maior destino de recursos investidos. Naquele ano, R$ 203,6 bilhões foram arrecadados.

Entre 1987 e 1991, com as ondas inflacionárias que registravam índices crescentes a cada dia, muitos cidadãos optaram por investir suas economias nas cadernetas de poupança para garantir o poder aquisitivo. No sistema, o poupador é obrigado a entregar determinado valor ao banco depositário pelo período de 30 dias. O estabelecimento financeiro, por sua vez, devolve o dinheiro que manteve pelo período, com correção monetária e juros de 0,5% ao mês. Berthes Pinto explica que “o poupador, ao entregar para o banco suas economias, sabe que o declinado valor após o prazo de 30 dias sofrerá correção com base no índice vigente na ocasião do depósito e juros remuneratórios de meio por cento ao mês“. E lembra: “Essas pessoas, que geralmente possuem baixo poder aquisitivo, contratam por meio de um contrato bilateral com alguma instituição financeira“.

Para o advogado, a atitude dos bancos foi contraditória. Isso porque, como previsto no contrato, aqueles investidores que sacaram as quantias antes do período previamente estipulado não foram beneficiados com a correção monetária. Segundo Berthes Pinto, com a alegação de cumprimento às ordens governamentais, os bancos aplicaram os índices mais rentáveis aos seus patrimônios e os menos rentáveis aos poupadores.

Os bancos preferiram, por livre e espontânea vontade, interpretar a lei da forma que melhor lhe interessavam, devendo agora arcar o ônus de tal escolha“, opina. “Da mesma sorte“, explica, “o banco tem o dever legal e moral de cumprir sua parte, seu poderio econômico não pode colocá-lo acima da lei“. As instituições bancárias, por sua vez, explicam que “os bancos aplicaram os índices de correção das cadernetas de poupança e dos financiamentos da casa própria determinados pelo governo. As instituições financeiras não podiam escolher quais índices aplicar.”

Autor (a): Marília Scriboni, repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: www.conjur.com.br