Gilberto Melo

A taxa de juros de mora na repetição de indébito tributário

O presente artigo examina qual a taxa de juros de mora que deverá ser aplicada na repetição de indébito tributário. Verificaremos a disciplina da matéria na esfera federal, estadual e municipal, tratando também da nova Súmula 523 do STJ, verbis: “A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices

  1. Considerações iniciais

Repetição de indébito (do latim repetitio indebiti) é o direito da pessoa de pleitear a devolução de uma quantia paga sem que tenha sido devida. Assim, a chamada repetição de indébito tributário é a possibilidade do contribuinte pleitear, junto às autoridades fazendárias, a devolução de tributo pago indevidamente.

No art. 165 do CTN estão elencadas as hipóteses em que o contribuinte tem direito à repetição de indébito, no âmbito tributário, a saber:

CTN. Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido; II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento; III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Na repetição de indébito tributário, o contribuinte deverá receber o valor principal que foi pago, acrescido de juros moratórios e correção monetária. A correção monetária incide a partir do pagamento indevido. Nesse sentido é o comando da Súmula 162 do STJ, verbis:

Súmula 162/STJ: Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido

Já os juros moratórios serão devidos a partir da data em que houve o trânsito em julgado da decisão que determinou a devolução. Nesse sentido temos a Súmula 188 do STJ, bem como o parágrafo único do art. 167 do CTN. Confira:

CTN. Art. 167. Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.

Súmula 188/STJ: Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.

A esta altura, cabe indagar: qual é a taxa de juros de mora que deverá ser aplicada na repetição de indébito tributário?

  1. A taxa de juros de mora na repetição de indébito tributário

Relativamente a tributos federais, a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito deve ser a mesma utilizada para cobrança do tributo pago em atraso. Trata-se de uma regra que decorre do princípio da isonomia. Vejamos: aos débitos fiscais pagos em atraso aplicam-se os juros de mora com a taxa Selic, nos termos das Leis ns. 9.065/95 (art. 13) e 10.522/2002 (art. 30).[1] Consequentemente, na restituição ou compensação de tributos, também se aplica a taxa Selic para o atraso no pagamento (Lei n. 9.250/95, art. 39, § 4º).

Ora, se é exigido do contribuinte que pague o tributo em atraso aplicando-se a taxa SELIC, então, quando o contribuinte for receber valores devolvidos em razão de pagamento indevido, nada mais justo do que lhe assegurar o mesmo tratamento, aplicando-se também a taxa SELIC.

Afinal, conforme destacou o ilustre Ministro Luiz Fux, “raciocínio diverso importaria tratamento anti-isonômico, porquanto a Fazenda restaria obrigada a reembolsar os contribuintes por esta taxa SELIC, ao passo que, no desembolso, os cidadãos exonerar-se-iam desse critério, gerando desequilíbrio nas receitas fazendárias”. [2]

Relativamente a tributos estaduais ou municipais, aplica-se o mesmo princípio geral, qual seja: a taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito deve ser a mesma utilizada para cobrança do tributo pago em atraso. Surgiu então a seguinte controvérsia: na repetição de indébito de tributos estaduais ou municipais seria possível aplicar a taxa SELIC?

Instado a se manifestar, o STJ fixou o seguinte entendimento: a taxa de juros incidente sobre esses débitos deve ser de 1% ao mês, a não ser que o legislador, utilizando a reserva de competência prevista no § 1º do art. 161 do CTN, disponha de modo diverso. Assim, será possível aplicar-se a taxa SELIC na repetição de indébito de tributos estaduais ou municipais a partir da data de vigência da lei especial que prevê a incidência de tal encargo sobre o pagamento atrasado de seus tributos.

Vejamos dois exemplos:

Ex. 1: no Estado de São Paulo, o art. 1º da Lei Estadual 10.175/98 prevê a aplicação da taxa SELIC sobre impostos estaduais pagos com atraso, o que impõe a adoção da mesma taxa na repetição do indébito.[3]

Ex. 2: o Município do Rio de Janeiro não possui legislação autorizadora do emprego da taxa SELIC na restituição de tributos pagos indevidamente, razão pela qual deve incidir, na hipótese, o § 1º do art. 161 do CTN.[4]

Em suma: relativamente a tributos estaduais ou municipais, tratando-se de repetição de indébito de tributo que não possui taxa de juros moratórios fixada em legislação extravagante, aplica-se o índice de 1% ao mês, estabelecido no art. 161, § 1º, do CTN. Para que incida a Selic como taxa de juros de mora – tanto para a cobrança do tributo em atraso, como na ação de repetição de indébito – é preciso que haja previsão na legislação específica.

Nesse sentido foi criada recentemente a Súmula 523 do STJ, verbis:

Súmula 523: A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

É necessário observar que a taxa Selic é um índice que já engloba juros pelo atraso no pagamento (juros moratórios) e a taxa de inflação estimada para o período (correção monetária), por isso não pode ser cumulada, a partir de sua incidência, com qualquer outro índice de atualização. Conforme já afirmou o STJ, “a incidência da taxa Selic como juros moratórios exclui a correção monetária, sob pena de bis in idem, considerando que a referida taxa já é composta de juros e correção monetária”.[5]

Conclusão

Nas repetições de indébito, a taxa de juros a ser aplicada em favor do contribuinte deve ser a mesma prevista em lei para a cobrança do tributo pago em atraso. Trata-se de aplicação do princípio da isonomia. Vejamos:

Na esfera federal: Aplica-se, para os débitos pagos em atraso, os juros de mora com a taxa Selic (art. 13 da Lei 9.065/95 e art. 30 da Lei 10.522/2002). Logo, na restituição de tributos, também se aplica a Selic para o atraso no pagamento (art. 39, § 4º da Lei n. 9.250/95).

Na esfera estadual e municipal: Se não houver legislação autorizadora do emprego da taxa SELIC na restituição de tributos pagos indevidamente, deverá incidir o percentual de 1% (um por cento) ao mês, nos termos do § 1º do art. 161 do CTN. Vale dizer: a Selic só pode incidir como taxa de juros de mora se houver previsão na legislação específica.

Veja-se que a taxa Selic é um índice que já engloba juros pelo atraso no pagamento (juros moratórios) e a taxa de inflação estimada para o período (correção monetária), não podendo ser cumulada, a partir de sua incidência, com qualquer outro índice de atualização.

Notas

[1] Aqui, cumpre registrar que a Primeira Seção do STJ, ao julgar, sob o rito do art. 543-C do CPC, o REsp 1.111.175/SP (DJe de 01/07/2009), decidiu que, na restituição de tributos federais, aplica-se a taxa SELIC, a partir de 1º de janeiro de 1996, na atualização monetária do indébito tributário, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de juros ou atualização monetária. Assim, se os pagamentos foram efetuados após 1º de janeiro de 1996, o termo inicial para a incidência do acréscimo será o do pagamento indevido. No entanto, havendo pagamentos indevidos anteriores à data de vigência da Lei 9.250/95, a incidência da taxa SELIC terá, como termo a quo, a data de vigência do diploma legal em tela, ou seja, 1º de janeiro de 1996.

[2] Cf. STJ – Ag 1297431, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 11/05/2010.

[3] Cf. STJ – REsp: 1111189 SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Seção, DJe 25/05/2009.

[4] Cf. STJ – EDcl no AgRg no Ag 783748 RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª TURMA, DJ 25/02/2008.

[5] Cf. STJ – EDcl no Resp 1.025.298-RS, Rel. Originário Min. Massami Uyeda, Rel. Para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/11/2012.

Autor (a): Alice Saldanha Villar, advogada e autora dos livros “Direito Sumular – STF” e Direito Sumular – STJ”.

Fonte: www.jornaljurid.com.br