Gilberto Melo

A evolução do mercado de ativos judiciais

Os ativos judiciais são créditos decorrentes de processos tributários, trabalhistas, cíveis ou precatórios. A propriedade dos ativos judiciais pode ser transferida por meio de um contrato de “cessão de crédito”, pelo qual o detentor desse crédito (cedente) cede esse direito para um terceiro (cessionário), mediante o pagamento do respectivo valor do crédito com deságio, o que proporciona o lucro do cessionário na operação.

Historicamente, nos países adeptos ao sistema Common Law, como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá, era proibida a cessão de ativos judiciais, para prevenção de corrupção por parte da elite britânica em relação aos litígios judiciais. Hoje, a realidade é diferente, e apesar de não existir essa proibição, ainda há limitações à cessão de ativos judiciais.

Por exemplo, na Inglaterra, a cessão de ativos judiciais deve ser considerada inválida se:

  • deve haver um interesse genuíno, por parte do cessionário, na cobrança do crédito objeto do ativo judicial. No caso Trendtex Trading Corp v. Credit Suisse, a cessão de ativo judicial ao Credit Suisse foi considerada inválida pela Justiça britânica, pois o Credit Suisse cedeu esse mesmo ativo adquirido a um terceiro, o que evidencia a ausência de interesse legítimo na cobrança do crédito;
  • for considerada um obstáculo à administração da justiça.[3]

Com essas limitações à cessão de ativos judiciais e os altos custos para litigar nos países adeptos do Common Law, a saída para o mercado financeiro foi desenvolver a prática do financiamento de litígios, em que o financiador arca com os custos do processo judicial/arbitragem e, em contrapartida, o pagamento do financiamento é garantido por parte do crédito objeto do litígio.

No entanto, até mesmo o financiamento de litígios é restrito. Em alguns estados americanos, como Nova Jersey, as partes são obrigadas a informar se o litígio é objeto de financiamento, para que possa ser averiguado se há conflito de interesse entre o cessionário e o juiz da causa. Em outros estados, como no Kentucky, o financiamento de um litígio pode ser declarado ilegal pela Justiça local, por ser considerado um incentivo ao ajuizamento de ações judiciais.

Quando se fala em ativos judiciais, não há dúvida de que o Brasil é um oceano azul de oportunidades:

  • a lei brasileira não cria limitações para esse mercado: o credor é livre para ceder seu ativo judicial, podendo ser uma cessão parcial ou total, pelo preço que as partes concordarem. As partes ainda podem acordar que o cedente continuará como parte no processo, sendo desnecessária sua substituição processual pelo cessionário. Não há lei que obrigue as partes a informar se houve cessão total ou parcial do ativo judicial;
  • existe um número significativo de processos em tramitação no Brasil, com valores multimilionários e disputas complexas. De acordo com o Relatório da Justiça em Número 2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no final de 2020 existiam 75,4 milhões de processos em tramitação[2];
  • o retorno para o investidor tende a ser bem significativo em comparação a outros investimentos. Isso ocorre principalmente por três motivos: a) morosidade do nosso sistema judiciário (alguns casos demoram mais de 20 anos para serem resolvidos, com o trânsito em julgado da sentença); b) urgência dos credores em receber o que lhe é devido; e c) mercado relativamente desconhecido no Brasil e pequeno perto do que ainda pode crescer (hoje, a maior parte do mercado de ativos judiciais é focada na compra de precatórios, mas pouco se discute sobre financiamento de arbitragens por terceiros ou créditos decorrentes de ações contra entes privados);
  • os valores são corrigidos com base nos respectivos índices de correção monetária, então não perdem valor com o passar do tempo;
  • créditos judiciais não são transacionáveis na Bolsa de Valores, e, portanto, não sofrem as constantes valorizações e desvalorizações do mercado financeiro.

No entanto, desbravar esse oceano azul é mais complexo do que parece, caso contrário todos o fariam. No Brasil, localizar os casos em que o direito é bom e o crédito será pago em prazo razoável não é tarefa simples.

Nosso país é adepto do Civil Law, o que significa que o juiz é livre para interpretar a lei e decidir conforme sua interpretação e existem poucas decisões que vinculam os juízes a decidir de determinada maneira. Assim, no Brasil, o que pode ser feito é descobrir como normalmente os juízes decidem sobre determinada matéria, mas isso requer horas de pesquisa jurídica e análise de diversos precedentes.

O sistema processual brasileiro é extremamente complexo, admitindo uma série de recursos e medidas processuais. As melhores oportunidades podem estar nos casos processualmente complexos e confusos. Não basta ler o Código de Processo Civil para entender desse tema, isso se aprende tendo acompanhado vários processos de perto, tendo despachado com juízes e vendo, na prática, o que realmente contribui para a celeridade processual. Só assim é possível ter uma estimativa de tempo de quando o crédito será recebido.

Com base nas informações da equipe jurídica, entra em campo a equipe financeira, para desenhar o melhor modelo financeiro ao investidor, demonstrando, com base em dados concretos, a expectativa de retorno.

Não há dúvida de que o oceano azul brasileiro, quando explorado de forma profissional, com base em notável conhecimento jurídico e financeiro, será objeto de investimentos multibilionários nos próximos anos.

Autores: Marcelo Prates Elias e Sofia Montenegro
Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-evolucao-do-mercado-de-ativos-judiciais-26052022?utm_campaign=jota_info__ultimas_noticias__destaques__26052022&utm_medium=email&utm_source=RD+Station